Por muito tempo, esta figura mítica -- que inspirou de músicos de jazz a compositores eruditos modernos -- ficou obscurecida até que a era da internet trouxe à tona sua obra inovadora. Cego aos 16 anos, após um acidente com dinamite, Louis Thomas Hardin (1916 - 1999) foi um multi-instrumentista, inventor de instrumentos e compositor autodidata que se estabeleceu como um músico de rua em 1943, fixando-se na 52nd Street e, posteriormente, na esquina da 54th Street com a 6th Avenue, em Nova Iorque, Manhattan. Figura excêntrica e bem humorada, Louis Thomas Hardin adotaria o nome artístico de Moondog em homenagem à um cachorro que ele teve na passagem da infância para a adolescência, e de quem ele se lembrava por uivar muito em noites de lua cheia -- daí, a junção de Moon (de lua) com dog (da lembrança deste seu animalzinho de estimação). Além do nome um tanto surreal e nonsense, Hardin também passou a adotar o visual de uma figura nórdica, com cabelos e barba grandes, capas e mantos, uma lança, calças de couro (ao estilo dos indígenas) e um capacete viking -- e adotou não apenas o figurino, mas também uma devoção praticamente religiosa à mitologia nórdica, tendo até construído um altar ao deus Thor em seu apartamento. Conhecido pelos transeuntes como o "Viking da 6ª Avenida", Moondog passou a mostrar os instrumentos que inventava -- sendo o principal deles a trimba, um instrumento triangular de percussão -- e a vender suas músicas e seus manuscritos ali mesmo na rua -- alguns destes manuscritos eram poemas, outros eram escritos filosóficos sobre a música, entre outras individualidades --, passando a conhecer diversos músicos, artistas, poetas beatniks e compositores célebres do jazz e da música erudita que por ali passavam, tais como Igor Stravinsky, Duke Ellington, Denny Martin, Benny Goodman, Charlie Parker, Arturo Toscanini, Leonard Berstein, dentre outros. Músicos de jazz contam que Charlie Parker, sempre que passava por Moondog, falava: "Precisamos gravar algo juntos, qualquer dia desses". Porém, Parker não viveria muito tempo para concretizar esse encontro, deixando no ar a indagação de como seria -- ou de como soaria -- uma interação musical do mestre do bebop com o mago vinking da 6ª Avenida. Mais tarde, Moondog comporia uma peça chamada "Bird's Lament" em uma clara homenagem à Charlie Parker, que se tornou um dos seus temas mais conhecidos. Contudo, o leitor irá perceber -- e deverá convir -- que embora Moondog tenha surpreendentemente conquistado algum reconhecimento e se tornado uma figura mítica, tendo amizades ilustres e sendo admirado por outras grandes figuras do seu tempo, sua obra inusualmente melódica -- somada à personalidade excêntrica e autodidata de um músico de rua -- nunca chegou a se tornar um best-seller nos meandros da dita música clássica, ficando sempre na condição de uma música independente e alternativa. Nas últimas décadas, porém, com o advento da internet, muitas das suas gravações originais se popularizaram entre os musicólatras de ouvidos mais "outsiders", e também surgiram diversas gravações novas com grandes músicos e grandes ensembles interpretando sua música -- inclusive pela "grife" da música clássica Deutsche Grammophon, o que confere um maior reconhecimento e uma maior amplitude para sua obra --, mas sua música não parece ter sido escrita para se tornar um best-seller.
Tendo tido uma infância envolto de muita música tradicional e nativa americana -- tendo, inclusive, visitado uma reserva indígena no Wyoming com seu pai, apaixonando-se também pelas canções e instrumentos de percussão dos índios --, e agora envolto de muito jazz, música erudita e da ruidosidade urbana de Nova Iorque, Moondog começou a desenvolver uma síntese musical de tudo isso que até hoje soa única e intrigante pelo seu caráter inclassificável. Na verdade, embora sua música seja aparentemente simples, o caráter "minimal", circular e repetitivo das suas melodias idiossincráticas, e as estranhas justaposições e entonações modais as quais ele aplicava nestas melodias, conferem à sua música a condição de uma arte à frente do seu tempo, quando não de caráter atemporal -- definitivamente, não era uma música que combinava com o final dos anos 40 e com os anos 50. Além disso, Moondog também foi um dos precursores do uso de sons pré-gravados, extraídos do ambiente, para se compor música nova. A maioria das suas composições são canções e peças com melodias curtas, simples e marcantes que sintetizam uma inexplicável junção de uma certa síntese pessoal da música clássica e barroca com a música tradicional e nativa americana, bem como com elementos do jazz, e com sua percepção da vida urbana -- com ruídos pré gravados (choros de bebês, sons urbanos, sons da natureza e etc) --, além de embasar-se em elementos e temáticas da cultura nórdica, música oriental, percussão cubana, dentre diversos outros elementos que ele transfigurava de forma muito pessoal, simples e intrigante. Alçado à condição de uma espécie de "lenda urbana" à medida que o tempo passava, a excentricidade, simpatia e genialidade nonsense que Moondog expressava nas ruas o levaram, pouco a pouco, a não apenas a conhecer personalidades importantes, como a ser levado à sério por algumas figuras do mundo musical e artístico de Nova Iorque. Segundo o que se conta, os músicos do Carnegie Hall sempre avistavam Moondog do outro lado, na esquina onde ele costumava divertir os transeuntes, e impressionados com o que viam, eles logo persuadiram o maestro Arthur Rodzinski a deixá-lo estar presente nos ensaios da Filarmônica de Nova Iorque. Foi o início da sua epifania criativa enquanto compositor: a partir das amizades com os músicos e ouvindo a Filarmônica da Nova Iorque, Moondog aprendeu orquestração de ouvido e testemunhou a estreia do então jovem maestro Leonard Bernstein -- na época assistente de Arthur Rodzinski -- com quem também faria duradoura amizade. Posteriormente, o próprio Rodzinski dedicaria parte da grade da programação da Filarmônica à Sinfonia nº 50, de Moondog, iniciando aí um certo reconhecimento de que tratava-se, sim, de um autodidata genial e criativo, apesar do seu caráter simples e nonsense. Em meados dos anos 50, Moondog já era uma espécie de celebridade: o colunista Walter Winchell chegou a escrever sobre ele no New York Times; o musicólogo especialista em música folk Tony Schwartz, que costumava fazer gravações de campo de músicos de rua, também registrou suas performances; e essas aparições, amizades e contatos lhe trouxeram outras ofertas, incluindo a participação em uma gravação de canções infantis com Julie Andrews.
Entre finais dos anos 40 e início dos anos 50, Moondog gravou uma sequência de LP's compactos de 78 rotações que registram seus primeiros temas, peças e improvisações. Já em 1953, Moondog consegue um contrato com a gravadora Epic para lançar seu primeiro álbum, intitulado Moondog and His Friends, e em 1956 ele grava o homônimo álbum "Moondog", pela Prestige Records. Já sendo alçado ao reconhecimento como um mestre inspirador, é em fins dos anos 50 que ele também passa a influenciar alguns dos primeiros jovens compositores ditos minimalistas que estudavam na Juilliard School ou que sempre estavam por ali entre as 5ª e 6ª avenidas, dentre eles Philip Glass e Steve Reich, os quais chegaram a confessar que levavam o trabalho de Moodog muito mais a sério do que todo o conteúdo teórico e a mesmice musical apresentada na univerdade:"We take his work very seriously and understood and appreciated it much more than what we were exposed to at Juilliard". Muito embora a música de Moondog seja aparentemente inclassificável, sua simplicidade e sua síntese melódica nonsense fez da sua arte um caminho precursor para estes jovens compositores minimalistas -- e para a música de vanguarda como um todo. Certa vez, numa entrevista, Moondog explicitou a real intenção da sua arte: "The art of concealing art, maximum effect but with minimum means". Sendo assim, não apenas Glass e Reich, como muitos compositores e musicólogos, passaram a considerar Moondog como um dos inventores, um dos precursores do minimalismo musical. De fato, Moondog foi o primeiro compositor a mostrar que em meio às modernidades do jazz e da dissonante e atonal música erudita moderna e concreta, era possível extrair um outro tipo de música música nova, experimental e criativa através dos elementos mínimos da música tonal e da música consonante clássica dantes saturada. Dois recursos muito usados nas peças de Moondog, inclusive, são o uso de repetições de frases simples e o uso de compassos ímpares e inusuais, além de combinações contrapontísticas inusualmente simplificadas e reformuladas através da sua percepção inovadora da música barroca e clássica: as peças do final dos anos 40 e início dos anos 50 que estão em seu primeiro álbum pela Prestige Records, por exemplo, são miniaturas ou temas curtos que exigem o acompanhamento de uma percussão "minimal" e "simples" de caixa, claves ou trimba (um instrumento triagular de percussão que ele mesmo inventou), porém repletos de contrapontos inusuais e marcações rítmicas em compassos ímpares e inovadores -- 5/4, 5/8, 7/4 e etc -- , numa época em que mesmo o jazz ainda compreendia-se usualmente em compassos simples quaternários. Certa vez, perguntado se ele se considerava o "pai da música minimalista", ele foi humilde e taxativo: "Bach was doing minimal in his fugues. So what´s new?". Contudo, a história mostra que realmente a música de Moondog prenunciou -- já entre finais da décadas dos anos 40 e início dos anos 50 -- a chegada de uma nova geração de músicos e compositores que seriam denominados como "minimalistas", que também começariam suas obras nos anos 60 anos em caráter de músicos e compositores experimentalistas, iniciando a carreira com uma arte musical alternativa e independente -- inicialmente desacreditados nos circuitos mais catedráticos e "palacianos" da música clássica passadista, aliás --, só sendo alçados à categoria de compositores sérios, e amplamente abordados pelas grandes orquestras, décadas depois.
Ademais, é preciso salientar que Moondog sofreu duradouros hiatos de obscuridade durante sua carreira que durou até a sua morte em 1999, mas sua música acabou não apenas sobrevivendo a estes períodos de obscuridade como foi projetada para a posteridade: ou seja, sua música sempre passava algum tempo adormecida até que algum músico, produtor, artista, maestro ou entusiasta a resgatava de alguma forma, fazendo este mítico compositor voltar aos estúdios e aos palcos. Muito embora a geração beat dos anos 60 tivesse recebido Moondog de braços abertos como um ícone da vanguarda -- o que lhe conferiu novos contatos, amizades e aparições ao lado de grandes figuras do mundo intelectual e artístico --, no início dos anos 70, ainda nas ruas, poucas pessoas poderiam imaginar que aquela figura excêntrica que se via perambulando por Nova Iorque fosse considerada um artista venerado e já tivesse lançado álbuns por gravadoras como Epic, Prestige e Columbia. Contudo, entre os anos 60 e 70, Moondog já havia aparecido declamando poemas ao lado de Allen Ginsberg, teve participações em shows com o comediante Lenny Bruce e o cantor Tiny Tim, participara de filmes com William Boroughs, e gravara álbuns pela Columbia Records. Além disso, alguns dos seus temas foram usados em filmes e comerciais de TV, tendo uma de suas peças sendo usada na trilha sonora do filme "Drive, She Said", estrelado por Jack Nicholson. Em 1974, ele teve a oportunidade de se apresentar pela primeira vez na Europa, o que o levou a se mudar para a cidade de Recklinghausen, Alemanha, onde viveria até sua morte. Sua partida repentina e seu aparente sumiço, fizeram as pessoas a acreditar que ele havia morrido: até Paul Simon lamentou sua morte em seu programa de TV. No entanto, Moondog estava compondo e se apresentado a todo vapor na Alemanha, entrando na fase mais prolífica de sua carreira após conhecer Ilona Goebel, uma tradutora de música que passou a se dedicar em tempo integral em transcrever e divulgar sua música, tornando sua empresária.
Moondog só voltaria aos EUA em 1989, a convite do New Music American Festival do Brooklyn, onde dividiu o palco com velhos conhecidos como Philip Glass e Steve Reich, sempre acompanhado da sua inseparável trimba. Em 2015, o filmmaker inglês Holly Elson lançou o documentário The Viking of Sixth Avenue, escrito pelo produtor teatral Ulf Kjell Gür, onde presencia-se um enredo rico e cativante de detalhes através de filmes de arquivo, filmes caseiros, gravações raras de áudio e entrevistas: o filme aborda a vida e obra de Moondog e apresenta entrevistas com amigos, família, colaboradores, artistas, músicos e compositores célebres que citam Moondog como uma influência, incluindo entre eles Jarvis Cocker, John Zorn, Chris Stein, Debbie Harry, Damon Albarn, Philip Glass, entre outros. Abaixo listo alguns álbuns que terminam de contar a história deste gênio. Clique na imagem acima para assistir o trailer do filme. Ouça a playlist no final do post ou clique nos álbuns para ouvi-los individualmente.
Moondog (Prestige, 1956). Melodias repetitivas com dois violinos e cello sobrepostos, com fundos pré gravados de sons de pássaros, coaxar de sapos e sons das ruas de Nova Iorque. Uma canção de ninar japonesa evocada por sua esposa Suzuko, com choro de bebê pré gravado ao fundo. Melodias temperadas com marcações rítmicas indígenas -- usando uma espécie de clava e caixa, posteriormente substituídos pela trimba -- em compassos ímpares, compostos ou compassos pares inusuais. Moondog em um dueto percussivo com o sapateador Ray Malone. Passagens de uma enigmática percussão próximo às rítmicas afro-cubanas na faixa "Street Scene" tendo o tráfego de Manhattan como fundo. Eis aí alguns aperitivos deste enigmático registro, mostrando como já em meados dos anos 50, Moondog intrigava a todos com sua música.
Moondog (Columbia, 1969). Por 12 anos Moondog não laçara nenhum registro -- desde seu álbum de 1957, The Story of Moondog -- até que o produtor James William Guercio o conheceu e o convidou para gravar este álbum para a Columbia Records. O resultado surtiu efeito num registro que confere uma tratativa renovada à várias peças com as quais Moondog já vinha se apresentando desde os anos 1950. O registro é composto por uma versão da composição "Theme", que já havia sido gravada em 1952 em seu debut pela Epic Records; dois "minisyms" (termo que Moondog usava para se referir às suas peças mais curtas de estilo sinfônico executadas por formatos instrumentais compactos ou uma orquestra de câmera, ao seu modo); dois cânones; uma chaconne em memória de Charlie Parker ("Bird's Lament"); uma peça para balé escrita originalmente para a coreógrafa Martha Graham ("Bruxa de Endor"); e três peças sinfônicas, uma das quais dedicada a Benny Goodman e apresentada com elementos do swing jazz. Com peças de caráter mais orquestral -- quando não camerística com formações instrumentais mais compactas --, esta é uma das melhores gravações de Moondog, tendo sido relançada algumas vezes nas últimas décadas: em 1989 pela CBS, em 2001 pela Beat Goes On Records, e em 2017 pela Record Store Day. Aqui temos participações de diversos dos seus amigos músicos provenientes das orquestras sinfônicas e de músicos de jazz tais como o flautista Hubert Laws, o contrabaixista Ron Carter e o trompetista Joe Wilder. Algumas das faixas deste álbum emblemático foram usadas como temas ou vinhetas de programas de TV, filmes e comerciais. Registro que alcançou considerável notoriedade em sua época.
Moondog in Europe (Kopf, 1977). Este álbum é um dos registros que documentam a fase europeia de Moondog, de quando ele se estabelece na Alemanha. Menos lúdico e idílico que seus registros americanos dos anos 50 e 60, aqui Moondog já tinha aderido à uma escrita mais formal, com arranjos mais eruditos, ainda que mantendo o intrigante caráter das repetições circulares das suas melodias, bem como mantendo seus particulares contrapontos, sobreposições neobarrocas e marcações percussivas ímpares. Esse aspecto mais erudito, aliás, fica bem explicitado pela peça "Romance in G" para quarteto de cordas. Apesar de uma escrita mais formal, a temática nórdica aqui é mais constante: vide faixas como "Viking I", "Heimdall Fanfare" e as curtas peças que compõe a suíte "Lögründr", escrita para orgão e percussão, com faixas gravadas nos excelentes órgãos de tubos das históricas igrejas Christus Kirche Recklinghausen e Herz Jesu Kirche Oberhausen. Em outras peças como "In Vienna" e "Viking I", Moondog usa uma caixa rítmica casada com celesta.
A New Sound of an Old Instrument (Kopf, 1979). Este álbum é uma extensão do registro mencionado acima, Moondog in Europe (Kopf, 1977), com o compositor em sua fase mais erudita e formal. No início das suas gravações entre os anos 40 e 50, Moondog já havia realizado a gravação de um disco compacto chamado Organ Rounds (1950), explicitando seu fascínio pelo órgão. Ao fixar residência na cidade de Recklinghausen, Alemanha, Moondog teve acesso à excelentes órgãos -- tanto o órgão da igreja local, como de outras igrejas de outras cidades vizinhas. Aproveitando a oportunidade, Moondog compôs e reuniu peças específicas para órgão de tubos, com um título, "A New Sound For An Old Instrument", que explicita bem seu real objetivo: fazer música nova para um instrumento antigo. Procurando fugir das abordagens sacras com as quais os órgãos de tubos geralmente são expostos, Moondog reuniu seus intrigantes cânones para órgão, compôs novas canções e adaptou outras, até chegar num perfil de repertório que explicitasse sua real intenção de apresentar sua abordagem pessoal para órgão, aqui sempre acompanhado das suas estranhas e ímpares acentuações rítmicas (com caixa, trimba, clavas e outros instrumentos). Com ares atemporais e levemente dançantes que nos trazem a sensação de estar imerso em uma trilha sonora de algum filme épico de fantasia nórdica -- com seus elfos, magos, hobbits e afins --, esta abordagem leva o órgão de tubos para longe da sua usual atmosfera lúgubre, sombria e sacra. Álbum gravado na igreja Herz Jesu Kirche Oberhausen.
Elpmas (Kopf/Roof, 1992). Este álbum é um primor de criatividade. No início dos anos 1990, Moondog conheceu Andi Toma do Mouse On Mars, dupla alemã baseada em música eletrônica nova. Andi Toma deu a ideia à Moondog -- e se ofereceu para auxiliá-lo -- de usar o computador como instrumento criativo para compor, e depois misturar os overdubs através de um software. Um tanto relutante no início, Moondog mudou de ideia e considerou que, embora não quisesse dar uma tratativa eletrônica para sua música, o computador poderia ser de grande ajuda para ele interpretar seus cânones contrapontísticos com precisão matemática. Para tanto, o próprio Moondog gravou sozinho todas as partes das marimbas, para que depois os overdubs fossem misturados. Em paralelo às marimbas e cordas, Moondog pré-gravou outros sons naturais e vozes japonesas para embelezar suas peças, além de escrever canções vocais para temperar o molho. As peças para marimbas foram totalmente gravadas por ele, com overdubs executados por computador. Já as partes vocais e com instrumentos de cordas e sopros foram quase todos executados por vocalistas e músicos. Criação meticulosa de estúdio, Elpmas -- título que é um palíndromo para "sample", uma vez que ele usa esses samples e overdubs pré gravados --, tornou-se em um album conceitual, com o objetivo de ser um sincero protesto ecológico: através de poesias cantadas, Moondog protesta aqui contra o preconceito e os maus tratos aos indígenas e aos povos aborígenes, bem como contra a interferência do homem moderno da natureza e contra os maus tratos a animais. Além disso, aqui temos uma rara aparição de Moondog usando teclados eletrônicos, vide as duas últimas faixas que terminam o álbum de forma solene e meditativa. No demais, o álbum não soa eletrônico, mas o uso de um software para dar uma tratativa mais matemática na interpretação dos seus cânones minimalistas e sobreposições instrumentais -- ainda que gravados previamente -- fazem deste álbum um dos mais primorosos registros de música minimalista.
Sax Pax for a Sax (Kopf/Atlantic, 1997). Este álbum, gravado em 1994, registra a passagem de Moondog por Londres, onde ele se juntou aos nove músicos do London Saxophonic para expressar uma ode em homenagem ao centenário de Adolphe Sax -- legendário inventor de instrumentos, inventor dos saxofones --, escrevendo um conjunto primoroso de peças -- quase sempre peças curtas e "minimals" -- para esta orquestra de câmera formada por saxofones sopranino, soprano, alto, tenor, barítono, saxofone-contrabaixo e etc. Além de repaginar peças célebres que já haviam aparecido em registros da década de 60 -- como "Bird's Lament" --, Moondog escreveu vários temas novos para este ensemble. Em algumas faixas Moondog toca bumbo junto com outros músicos como Danny Thompson (contrabaixo), Liam Noble no (piano) e Paul Clarvis (caixa). Aqui temos um registro curiosamente híbrido de cânones saxofônicos em formato de música de câmera com evocações jazzísticas e as características circulares das repetições melódicas minimalistas do compositor, além de partes com acompanhamento vocal a cappella -- um hibridismo estranhamente curioso. Foi um dos registros de Moondog a alcançar boas posições e boas críticas, atingindo a posição de número 22 no ranking da Billboard, um ano antes da sua morte.
Big Band (Trimba Music, 1995). Gravado de forma independente, também em Londres, este registro é, na verdade, uma extensão do álbum acima, Sax Pax for a Sax (Kopf/Atlantic, 1997). Aqui Moondog juntou os saxes dos músicos do London Saxophonic com os metais dos London Brass e formou, ao seu modo, uma big band que também traz essa miríade de repetições minimalistas, cânones neobarrocos com entonações jazzísticas aqui e ali. Como é de se esperar, aqui não estamos falando de uma big band tradicional de jazz, com arrebentos de metais e passagens suingantes. Aqui estamos diante da concepção de big band idiossincrática de Moondog.
Piano Trimba (Shiiin, 2019). O pianista francês Dominique Ponty e o percussionista sueco Stefan Lakatos foram músicos que conheceram e conviveram com Moondog em suas fases derradeiras nos anos 80 e 90, nutrindo não apenas amizade, mas uma devoção artística das mais refinadas. O próprio Moondog escreveu diversas peças para Dominique Ponty e apresentou a trimba -- instrumento de percussão inventado por ele -- para Stefan Lakatos. Aqui, pois, Dominique Ponty e Stefan Lakatos reúnem um conjunto de peças e miniaturas inéditas, além de temas já gravados em outros álbuns de Moondog, aqui transcritos para piano, cravo e trimba. Nestas miniaturas e transcrições para piano ficam ainda mais claro como que Moondog criou uma precursora e inebriante paleta minimalista através da ressignificação de formas clássicas e barrocas tais como cânones, chacones e mazurkas. A maioria do álbum é em dueto de piano e trimba, mas há peças que são apenas executadas por trimba, evidenciando bem a caricatura percussiva indígena de Moondog. Um álbum para os mais afeitos aos pianismos eruditos -- só que aqui numa áurea estranhamente bela, clássica e minimalista.
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