O violino, o violão (ou guitarra acústica) e o contrabaixo sempre foram instrumentos de presença cativa nos meandros tradicionais da música americana por meio do fiddle e da própria folk music, um dos afluentes por onde as cordas acústicas adentraram para alcançar suas aplicações na country music e no jazz. Além do fiddle e da música folk, temos a gipsy music -- de afluência cigana-europeia ou manouche --, que também foi uma das fontes por onde o violino, o contrabaixo e a guitarra acústica formaram um dos primeiros combos do jazz europeu, já nos anos de 1930. Na passagem da era swing para o bebop já tínhamos os violinistas americanos Ray Nance, Joe Venuti, Stuff Smith, Svend Asmussen e Dick Wetmore. Juntou-se à trupe o francês Stephane Grappelli que -- advindo justamente da fluência da música cigana francesa, sendo o principal colaborador do guitarrista Django Reinhardt no Quintette du Hot Club de France -- foi um dos grandes músicos de jazz da história a revolucionar o vocabulário do violino. O contrabaixo, por sua vez, foi um dos instrumentos que adentrou-se ao jazz para substituir definitivamente as tubas, à medida que esta música se modernizava para ser tocada nas boates e clubes das grandes cidades, uma vez que a tuba era mais um instrumento advindo das brass bands e dos formatos de bandas militares. Na transição do swing para o bebop, já nos meandros do jazz moderno, o contrabaixista Jimmy Blanton foi o principal inovador do contrabaixo, aplicando novas ideias harmônico-melódicas ao instrumento e impondo-o como um instrumento solista dentro da banda. E foi por meio de contrabaixistas tais como Ray Brown, Oscar Pettiford e Ron Carter que o violoncelo também adentrou-se ao jazz. Além de Ray Brown, Oscar Pettiford e Ron Carter, o violoncelista Calo Scott pode ser considerado um dos primeiros -- senão o primeiro -- a dar foco total para o cello já inserido na linguagem moderna do jazz a partir do final dos anos 40 e início dos anos 50. Então, muito embora o combo saxofone-trompete-piano-contrabaixo-bateria seja o formato clássico do jazz moderno, podemos considerar que as cordas sempre estiveram presentes e têm até um extenso território de aplicações no universo do jazz desde seu início, apesar de sempre ter tido um número menor de músicos com este foco. Aqui neste post, eu não irei apresentar álbuns apenas de violinistas, ou apenas de violoncelistas, ou apenas de contrabaixistas... e nem apenas de jazz, propriamente dito. Dada esta introdução, a intenção aqui neste post é mostrar, por meio de algumas breves pinceladas e citações, alguns álbuns com linguagens e formatos variados, onde as cordas -- violino, viola, cello, guitarra... em solo, duos, trios, quartetos e etc -- apresentem facetas exploratórias inéditas em cada época, ou projetos e registros onde as cordas estejam inseridas de forma central e estratégica para se obter uma sonoridade mais particular. O contexto deste post visa mostrar, então, como que as aplicações e explorações do violino e das cordas se modernizaram no decorrer do tempo, conforme as estéticas foram se misturando. Ouça a playlist que deixo no final do post.
No âmbito da música clássica secular os duos de piano e violino e os trios e quartetos com violino, viola e violoncelo, são mais do que comuns: são combos padrões para os quais a maioria dos grandes compositores eruditos -- clássicos, românticos e modernos -- dedicaram suas escritas em séries completas de obras. O que não era comum, até certa altura do século 20, é o fato de que esses mesmos formatos clássicos começaram a ser aplicados em versões mais modernas, ecléticas e contemporâneas também dentro do range do jazz e, posteriormente, na livre improvisação. Olhando por este ângulo, os quartetos de cordas Kronos Quartet -- fundado pelo violinista David Harrington em 1973 -- e o Turtle Island String Quartet -- fundado em 1985 pelos violinistas David Balakrishnan e Darol Anger, pelo violista Laurie Moore e pelo violoncelista Mark Summer -- são dois emblemáticos exemplos de como esses formatos clássicos passaram a se comportar com um inédito hibridismo e ecletismo a partir do final do século 20, passando a efetuar novas leituras e releituras de obras e temas de músicos e compositores do jazz, rock, música minimalista e da música pop mais criativa. O Kronos Quartet, por exemplo, em meio a leituras de obras de Terry Rilley, Jimmi Hendrix e Steve Reich, lançou dois álbuns nos quais aplica releituras diretas em temas de grandes músicos e compositores do jazz: um dedicado ao pianista Thelonious Monk, em Monk Suite: Kronos Quartet Plays Music of Thelonious Monk (Landmark, 1985) e o outro dedicado ao pianista Bill Evans, no registro Music of Bill Evans (Landmark, 1985). Já o Turtle Island String Quartet -- sem apegar-se estritamente ao costume de lançar apenas álbuns temáticos, dedicados apenas a um compositor específico, preferindo reunir uma lista variada de temas e peças em cada lançamento -- desde sempre se especializou e criar arranjos inusitados e sofisticados de quarteto de cordas para temas de jazz e do rock, aplicando releituras em temas que vão de Dizzy Gillespie à Chic Corea, de Oliver Nelson à Pat Metheny, de John Coltrane à Frank Zappa: vide, por exemplo, seu segundo álbum Metropolis (Windham Hill Records); vide o álbum A Night in Tunisia, A Week in Detroit (Chandos, 2002) com a Detroit Symphony Orchestra; e a surpreendente releitura da obra prima de John Coltrane no registro A Love Supreme: The Legacy of John Coltrane (Telarc, 2007).
No universo do jazz, um dos primeiros -- senão o primeiro -- string quartets que se tem notícia é este, formado por músicos do cenário do West Coast. Vinnie Burke fora um violinista e guitarrista em seus primeiros anos de carreira como músico que depois migraria para o contrabaixo, sendo um dos regulares sidemans de grandes figuras tais como Gerry Mulligan, Tal Farlow, Gill Melle, Marian McPartland, Don Elliott, Eddie Costa, Bobby Hacket e etc. Junta-se a ele, aqui neste disco, o violinista Dick Wetmore, o violoncelista Calo Scott e o guitarrista Bobby Grillo, revezando com Kenny Burrell e Paul Palmieri. O álbum foi lançado pela ABC Paramount com uma das capas mais modernas dos anos 50, trazendo uma música que flutua entre os ecos do cool jazz e do bebop através de temas clássicos de Dizzy Gillespie, Miles Davis, Oscar Pettiford e temas em blues compostos pelos próprios músicos. Interessante as abordagens do violino de Dick Wetmore e do violoncelo de Calo Scott, os quais tem o papel tanto de solar com pizzicato, como também de encorpar algumas harmonizações através de acompanhamentos com o arco. Além disso, esta gravação parece trazer influências do quarteto sem piano de Gerry Mulligan e Chet Baker de 1953, com atmosferas comedidas e sobreposições bem características daquele cool jazz da Costa Oeste dos anos 50. Item de colecionador, a gravação do LP original foi editada em 1957 com poucos exemplares atualmente à venda, tendo sido remasterizado e reeditada em 2009 pela Cool Note.
Imprescindível para quem quer explorar audições do violin jazz é adentrar-se à discografia de Stéphane Grappelli. A partir dos anos de 1960 o mágico do violino empreenderia várias gravações em parcerias com outros violinistas e outros músicos famosos: sempre num range que aborda do swing à música manouche, do gipsy cigano à chanson francesa, passando por uma versão suingante do bebop em temas românticos do jazz, e sempre com um repertório feito de standards, blues e/ou canções melosas e nostálgicas. Mesmo para o leitor e ouvinte que não gosta de standards e canções açucaradas, vale à pena prestar atenção nos improvisos fantásticos que este violinista conseguia exprimir com um misto de vibrato ágil e fraseios com floreios difíceis, mesmo nos temas mais líricos. Aliás, as abordagens de Grappelli em termos de usar standards ostensivamente consistia em duas essenciais facetas inerentes à sua identidade: frasear e florear sobre temas tarimbados na intenção de aplicar releituras hiper originais, na maioria das vezes transformando estes temas em caricaturas suas; e usar essas canções e standards como o meio mais direto de elevar o violino como um instrumento definitivamente inserido na linguagem jazzística moderna. Por meio de Stéphane Grappelli, percebemos que a aplicabilidade da linguagem do jazz é tão cabível para o violino quanto o é para o saxofone -- ouvir Grappelli com seus fraseios e floreios está no mesmo nível que ouvir Charlie Parker e Lee Konitz com seus saxofones. Além de álbuns lançados com outros grandes violinistas, na maioria das vezes Grappelli atua em gravações com as seguintes formações instrumentais: no estilo gipsy cigano em um quarteto com dois violões ou duas guitarras acústicas manouche (sempre com uma guitarra solista e a outra guitarra fazendo o acompanhamento rítmico, junto ao swing do contrabaixo); no estilo clássico de jazz moderno em quarteto com piano, contrabaixo e bateria, vide suas apresentações com o trio do pianista Oscar Peterson; ou em duos, como o duo que ele apresenta com o guitarrista Joe Pass.
Outro violinista imprescindível é o americano Stuff Smith. Com um fraseio menos bebop e mais apegado à primazia do swing -- e surpreendentemente criativo --, a marca própria de Stuff é seu estilo único feito a partir de efeitos de glissandos (técnica de criar efeitos deslizando os dedos nas cordas entre uma nota e outra), passagens em cordas duplas e um vibrato lento e jocoso, além de um estilo mais bluesy, caricato e descontraído -- diferindo-se do romantismo vibrante de Grappelli. Tal como Louis Armstrong -- sendo tanto capaz tanto de mostrar um violino caricato, bem como sendo um grande cantor --, Stuff Smith foi reconhecido como uma das personalidades mais carismáticas do seu tempo, tendo gravações com muitos dos grandes músicos e cantores do jazz da sua época: Dizzy Gillespie, Ella Fitzgerald, Nat King Cole, Ben Webster, Sun Ra, o próprio Stephane Grappelli, entre outros. Três álbuns recomendados são Cat on a Hot Fiddle (Verve, 1960) em quarteto com a pianista Shirley Horn, Stuff and Steff (Barclay, 1966) com Stephane Grappelli e Hot Violins (Storyville, 1991) com os violinistas Svend Asmussen e Poul Olsen.
Para quem quer explorar as origens das aplicações do cello no jazz, faz-se necessário explorar alguns registros da discografia dos contrabaixistas Ray Brown, Oscar Pettiford e Ron Carter. No álbum The New Oscar Pettiford Sextet (Debut, 1954), já podemos presenciar Oscar Pettiford tocando cello na companhia de Charles Mingus: o álbum é interessante por apresentar uma das primeiras gravações com cello na abordagem de pizzicato e por se tratar de um álbum com composições próprias do contrabaixista. Posteriormente este mesmo álbum receberia um material adicional para ser relançado pela Fantasy com o título My Little Cello, em 1964. Curiosamente, ainda conseguimos encontrar uma outra gravação de Pettiford com o mesmo título My Little Cello (Debut, 1960): gravação realizada em Copenhagen, com sidemans dinamarqueses. Ray Brown, por sua vez, grava em 1960 o álbum Jazz Cello (Verve Records) -- composto apenas de standards --, no qual ele se apresenta com uma banda disposta de uma big band de 11 integrantes, numa maioria de músicos do cenário do West Coast tais como o arranjador Russ Garcia, os saxofonistas Paul Horn e Bob Cooper, e o pianista Jimmy Rowles. Já Ron Carter, contrabaixista na época mais jovem, também segue a mesma tendência de dar voz ao pizzicato do violoncelo em seu debut Where? (New Jazz, 1960), gravação já beirando o post-bop realizada com Eric Dolphy (sax alto, clarone, flauta), Mal Waldron (piano), George Duvivier (contrabaixo) e Charlie Persip (bateria) como sidemans. Ron Carter, aliás, daria um foco bem maior às cordas em sua discografia solo. Embora a maioria dos seus álbuns estejam amparados por um post-bop que pouco a pouco vai beirando a uma espécie de ecletismo popular conforme adentra às décadas de 70 e 80 -- com resquícios que vão do fusion ao third stream, com arranjos orquestrais de cordas, elementos da música erudita, releituras à standards, elementos da música brasileira e música espanhola, duetos e parcerias várias --, Ron Carter nos apresenta uma discografia recheada de álbuns aventurosos no âmbito do "jazz with strings" -- alguns álbuns com arranjos até incomuns. Caso dos álbuns gravados em seu período na gravadora Milestones, nos quais Ron Carter insere sessões de violinos, violas e violoncelos: vide Pastels (1976), A Song for You (1978), Pick 'Em (1980) e Super Strings (1981). Ademais, uma indicação indireta que pode interessar aos mais curiosos é a atenção pioneira que Ron Carter dava ao piccolo bass (conhecido também como baixo flautim), espécie de um contrabaixo elétrico em menor formato afinado uma oitava acima, com o qual ele explorava uma faceta mais solista.
Já o território particular dos contrabaixistas, propriamente dito, é um dos mais aventurosos -- tanto no âmbito mainstream, como no âmbito mais próximo ao avant-garde. Seis contrabaixistas que aqui quero indicar são: Niels-Henning Ørsted Pedersen, Dave Holland, Barre Phillips, Mario Pavone, Christian McBride e William Parker -- entre outros, indiretamente. Considerado um dos maiores e mais virtuosos contrabaixistas da história do jazz, Niels-Henning Ørsted Pedersen -- ou apenas NHØP -- ficou conhecido por deixar sua marca de virtuosismo em centenas de gravações, colaborando com inúmeros músicos de várias estéticas e estilos -- do pianista Oscar Peterson ao saxofonista Archie Shepp. Com uma lista tão extensa de gravações, fica difícil de indicar apenas um álbum: em 1976 ele gravou um álbum em duo com o contrabaixista Sam Jones pela SteepleChase; e nos anos de 1990 ele gravou Those Who Were (Verve Records, 1996), um dos seus álbuns mais interessantes em termos de mostrar toda sua versatilidade, um registro onde ele atua em trio com o guitarrista Ulf Wakenius e o baterista Victor Lewis, se colocando à prova em solos de contrabaixo que permeiam do bebop ao jazz pop, passando por composições suas em uma versão mais elástica do post-bop. Dave Holland, por sua vez, nos apresenta o fantástico álbum Music for Two Basses (ECM, 1971), que é constituído apenas de improvisações livres em duo com seu xará de contrabaixo Barre Philips, além de uma sequência de outros álbuns onde ele explora apenas o contrabaixo solo: Emerald Tears (ECM, 1977), Life Cycle (ECM, 1982) e Ones All (VeraBra, 1993), discos que exploram contextos vários, de interpretações de standards e temas próprios à solos livremente improvisados. Já o contrabaixista William Parker, um dos grandes nomes do seu instrumento na seara do free jazz das últimas décadas, também aparece em vários álbuns, seus ou como colaborador de outros grandes músicos, onde dá foco para os instrumentos de cordas: no álbum Testimony (Zero In, 1996) ele atua com improvisos em contrabaixo solo; no álbum Scrapbook (Thirsty Ear, 2003) ele apresenta seis composições próprias baseadas no blues e no funk com desenvolvimentos aventureiros através de um trio com o violinista Billy Bang e o baterista e percussionista Hamid Drake; no álbum Requiem (SplascH, 2004), ele segue com composições próprias exploratórias nos apresentando um curioso quarteto de contrabaixos com Alan Silva, Henry Grimes e Sirone, acrescentando como coadjuvante os improvisos fervorosos do saxtenorista Charles Gayle; no álbum Alphaville Suite (RogueArt, 2007), ele apresenta um double quartet de cordas; já no álbum Double Sunrise Over Neptune (AUM Fidelity, 2007) ele apresenta uma versão expandida de banda com uma combinação de cordas, sopros, duas baterias, canto vocal, banjo, guitarra e doussn'gouni (um instrumento de cordas africano); e no álbum Bass Duo (Centering, 2017) ele apresenta um dueto de contrabaixos com Stefano Scodanibbio. O contrabaixista Mario Pavone, por sua vez, é um caso interessante de veterano que conseguiu se renovar ano após ano para estar sempre criando música nova, inventiva e esteticamente contemporânea nos moldes do modern creative: os álbuns Deez to Blues (Playscape, 2006) com o violinista Charles Burnham e Street Songs (Playscape, 2014) com dois contrabaixos, com o contrabaixista Carl Testa, são dois exemplos de como Pavone aborda as cordas em suas criações. Ademais, indico aqui os dois álbuns do projeto Superbass de Christian McBride, que reúne um trio de contrabaixos -- às vezes acompanhados por piano e bateria, às vezes em solos de trio -- com dois dos grandes veteranos do bebop: Ray Brown e John Clayton.
Estritamente no range dos músicos, bandas e ensembles mais próximos ao avant-garde jazz também temos interessantes e variadas aplicações das cordas -- com registros que expandiram os horizontes criativos para o violino, a viola e o violoncelo. Um dos pioneiros do violino nesta seara, por exemplo, é Leroy Jenkins, que desde finais de 1960 já estava em atividade ao lado de grandes pioneiros do free jazz tais como Archie Shepp, Anthony Braxton, Muhal Richard Abrams, Carla Bley, Alan Silva, entre outros. Imerso desde sempre na arte de compor tanto nos formatos do avant-garde jazz como nos formatos da música erudita contemporânea -- tendo criado diversas óperas e peças para balé, comissionadas por orquestras e ensembles variados --, Leroy Jenkins combina uma sensibilidade musical única com uma verve instrumental mais exploratória e diversificada, criando, portanto, uma discografia rica e cheia de registros curiosos, em várias direções. Considerando apenas os álbuns onde ele prioriza as cordas, temos os seguintes registros: Straight Ahead/Free at Last (Red Record, 1979) em improvisos livres com o violoncelista Abdul Wadud; e o interessantíssimo Themes and Improvisations on the Blues (CRI eXchange, 1994), que traz colaborações do excelente Soldier String Quartet mais participações dos saxofonitas Henry Threadgill e Marty Ehrlich. Igualmente interessante são os álbuns do Revolutionary Ensemble, um trio que Leroy Jenkins formou com o contrabaixista Sirone e o pianista e percussionista Jerome Cooper nos anos de 1970, e com o qual retornou em meados dos anos 2000: o trio é um exemplo das aplicações das cordas nos moldes da "creative black music" da AACM e do Art Ensemble of Chicago, com os músicos aplicando combinações de violino, viola e contrabaixo com piano, kits de percussão vários, flautas, bailofone e diversas outras combinações, algumas vezes em completa cacofonia e outras vezes com explorações interativas em meio a silêncios bem espaçados. Já o violoncelista Abdul Wadud, além de ter sido um colaborador em diversos álbuns emblemáticos do free jazz nos anos 70 -- atuando como sideman ao lado de Frank Lowe, George Lewis, Anthony Davis, Julius Hemphill, entre outros --, também é um dos pioneiros dos mais influentes na seara das aplicações do cello e das formações variadas com cordas, tendo lançado os interessantes álbums By Myself (Bisharra Records, 1977) em cello solo e Black Swan Quartet (Minor Music 1986) com o violoncelista Eileen M. Folson, o violinista Ali Akbar e o contrabaixista Reggie Workman -- registros raros de se encontrar. A não perder, também, é o álbum Anthony Braxton/ Robert Schumann String Quartet (Sound Aspects, 1986) com as conceituais e sistemáticas composições de Anthony Braxton à cargo das interpretações do Robert Schumann String Quartet: gravado em 1979 em Köln, Alemanha Ocidental, este registro é dividido entre partes que Braxton explora o sax solo e outras partes onde ele atua com o quarteto, numa das suas raras interações com quarteto cordas. Ademais, não se pode esquecer do trabalho pioneiro realizado pelo violinista Billy Bang: em 1977, ele fundou com o contrabaixista John Lindberg, e o guitarrista James Emery o String Trio of New York, com o qual explorou diversas formas, tanto através de peças próprias como através de livres improvisações. O String Trio of New York ficou ativo por quase três décadas: após o falecimento de Billy Bang, o trio seria recomposto com os violinistas Charles Burnham e Regina Carter.
Aplicações mais contemporâneas no âmbito das cordas incluem projetos de músicos como o violinista Mark Feldman, o violista Mat Maneri, o saxofonista Ivo Perelman, o saxofonista e compositor John Zorn e os violoncelistas Hank Roberts, Erik Friedlander, Fred Lonberg-Holm e Tomeka Reid. O violista Mat Maneri é um dos poucos improvisadores dedicados estritamente à viola clássica nos moldes do free jazz contemporâneo e da new music, tendo lançados álbuns de fina contemporaneidade por selos como Leo Records, Clean Feed e ECM: além das suas telepáticas interações com o saxtenorista Ivo Perelman e com o pianista Matthew Shipp, aqui indico os álbuns Angles of Repose (ECM, 2004) ao lado do seu pai, o sax-altoísta e clarinetista Joe Maneri e do contrabaixista Barre Phillips, e The Transcendent Function (Clean Feed, 2015) ao lado do contrabaixista e violoncelista Daniel Levin -- dois exemplos que mostram o porquê Maneri tem se estabelecido como um dos mais primorosos improvisadores na arte da interatividade freejazzística. O violinista Mark Feldman -- um dos regulares colaboradores do compositor John Zorn -- é um músico interessante porque atua num range extenso, indo do jazz contemporâneo mais composto e elaborado nos moldes do "modern creative" até a total abstração das peças livremente improvisadas -- sem mencionar sua fluência no quesito das complicadas técnicas eruditas da milenar escola violinística. No contexto deste post, ao menos quatro direções e projetos de Mark Feldman são indicados: seu debut Music for Violin Alone (Tzadik, 1995), com peças compostas e improvisadas por ele mesmo em violino solo; seus duos com sua esposa, a pianista Sylvie Courvoisier, a começar pelo registro Music for Violin and Piano (Avant, 1999); suas colaborações com John Zorn, sobretudo no projeto Book of Angels, onde o violinista se apresenta em duo com sua esposa, com o Bar Kokhba Sextet ou com o Masada String Trio, que também trazem o violoncelista Erik Friedlander e o contrabaixista Greg Cohen; e sua atuação no fantástico Arcado String Trio, formado com o violoncelista americano Hank Roberts -- ocasionamente substituído pelo holandês Ernst Reijseger -- e o contrabaixista americano Mark Dresser. O violoncelista Erik Friedlander -- outro dos regulares colaboradores de Zorn -- também tem projetos solos super interessantes e inventivos: em cello solo ele nos apresenta os álbuns Maldoror (Brassland, 2003), Block Ice & Propane (SkipStone, 2007), Volac: Book of Angels Volume 8 e Illuminations (SkipStone, 2015); e com seu quarteto com Doug Wamble (guitarra), Trevor Dunn (contrabaixo) e Mike Sarin (bateria), o celista nos apresenta direções várias que vai desde o jazz mais elaborado ao termos do modern creative, até releituras mais inusitadas e divertidas da folk music, passando por partes livremente improvisadas, vide os álbuns Bonebridge (SkipStone, 2011) e Nighthawks (SkipStone, 2014); e para quem quer ver seu inventivo cello imerso em eletrônica, o álbum é Claws & Wings (Skipstone, 2013), que vem com um trio formado com Sylvie Courvoisier (piano, spinet) e Ikue Mori (laptop). Já Fred Lonberg-Holm, músico de Chicago -- imerso tanto nos meandros do post-rock como nos meandros do jazz criativo e da livre improvisação --, nos apresenta algumas das mais novas abordagens de violoncelo em sua discografia, algumas vezes também acoplando pedais de efeitos em seu instrumento e abusando de efeitos eletrônicos para tempeirar suas composições ou para elaborar uma espécie de "cello preparado" dentro das suas abordagens: um dos seus primeiros registros, Personal Scratch (Eighth Day Music, 1996), apresenta ele em cello solo, mas já no início dos anos 2000 temos o álbum Dialogs (Emanem, 2005), onde ele trabalha no formato solo, acoplando pedais de efeitos em seu cello e inserindo eletrônicos nas criações das suas peças, formato para o qual retorna no álbum Lisbon Solo (Notice Records, 2019), trabalhando também com piano preparado; enquanto o ábum Site-Specific (Explain, 1999), traz um conjunto de faixas com duos de cello e guitarra, com doze guitarristas diferentes (Jim O'Rourke, Kevin Drumm, Charles Kim, John Corbett, Michael Zerang, Jim Baker, Ben Vida, Todd Rittman, Michael Krassner, Jeb Bishop, Helen Mirra, e Adam Sonderberg); e os álbuns Flats Fixed (Corbett vs. Dempsey, 1998) -- em trio com os contrabaixistas Peter Kowald e Kent Kessler -- e Grammar (Rossbin, 2004) com o Punctual Trio -- formado com o violinista português Carlos Zíngaro e o manipulador de eletrônicos Lou Mallozzi -- são dois exemplos de registros onde ele insere-se mais estritamente nos formatos de cordas. A violoncelista Tomeka Reid, por sua vez, é uma das novas vozes criativas a emergir na década de 2010. Influenciada pelo legendário cellista Abdul Wadud, Tomeka Reid também é ligada ao cenário criativo de Chicago e à Association for the Advancement of Creative Musicians (AACM), tendo lançado diversos álbuns em projetos solos e colaborativos com outras jovens figuras das décadas de 2000 e 2010, tais como a guitarrista Mary Halvorson, a flautista Nicole Mitchell, os saxofonistas Dave Rempis e Ken Vandermark, dentre outros -- sempre num range extenso que lhe permite explorar desde o jazz mais contemporâneo inserido na estética modern creative até projetos mais estendidos de livre improvisação, passando por abordagens da new music mais erudita e explorações várias. Dois dos seus projetos solos mais interessantes são os registrados nos álbums Tomeka Reid Quartet (Thirsty Ear, 2015) e o trio que ela forma com a violinista Mazz Swift e a contrabaixista Silvia Bolognesi, com o qual lançou os álbuns Hear in Now (Rudi Records, 2013) e Not Living In Fear (International Anthem Recording Company, 2017).
Por fim, quando se fala de projetos onde as cordas são inseridas em criações interativas diferenciadas, não se pode esquecer do saxternorista Ivo Perelman, que, inclusive, iniciou-se na música aprendendo a tocar violoncelo, e regularmente dedica-se a apresentar essa interação do seu poderoso sopro de sax tenor com cordas. Além de registros dos anos 90 tais como The Alexander Suite com o C.T. String Quartet (Leo Records, 1998) e Strings (Leo Records, 1997), onde ele toca cello ao lado de Joe Morris (guitarra acústica), o saxtenorista tem frequentemente se dedicado a explorar a sonoridade das cordas dentro das suas abordagens de um free jazz mais cru e orgânico, tendo lançado não apenas álbuns sortidos com o violista Mat Maneri, mas tendo também lançado uma série inteira, chamada Strings (entre 2018 e 2019), na qual convida, além do seu habitual parceiro Mat Maneri, figuras como os violinista Mark Feldman e Jason Hwang e os violoncelistas Hank Roberts e Ned Rothenberg, dentre outros, para condimentar seu molho de improvisações freejazzísticas. Mais recentemente, em 2020, Ivo Perelman lançou dois interessantes projetos com cordas que visam o mais alto nível de interatividade improvisativa: um deles, o registro Strings & Voices Project (Hundred Years Gallery, 2020), traz seu sax tenor poderoso ao lado de figuras emblemáticas da livre improvisação europeia tais como David Leahy (contrabaixo), Pascal Marzan (guitarra de 10 cordas), Marcio Mattos (cello), Phil Minton (vocais), Jean-Michel van Schouwburg (vocais), Benedict Taylor (viola) e Phil Wachsmann (violino); o segundo registro, Deep Resonance (Fundacja Słuchaj!, 2020) o traz em parceria com o já citado Arcado String Trio, com o violinista Mark Feldman, o violoncelista Hank Roberts e o contrabaixista Mark Dresser -- um trio de cordas realmente surpreendente. Nas notas deste registro, com o Arcado String Trio, Perelman elucida um pouco como ele observa a dinâmica em grupo: "In fact I metamorphosed into a string instrument myself and felt welcomed and embraced by their pizzicatos, ponticellos and sordinos while we collectively fused brass and strings into a new musical entity. Hear how Dresser's throbbing velvety bass lines propels the whole music machinery with an almost non-human perfect intonation, how Feldman's fleeting lines bring you back to 19th century virtuoso violin when sheer technical mastery didn't preclude great artistry and hear how Roberts creatively stitches Dresser and Feldman's sound fabrics into a tapestry of royal elegance". O interessante na arte musical de Ivo Perelman é que sua fruição artística no âmbito da improvisação -- que, inclusive, traz inspirações implícitas das artes da literatura, pintura e artes audiovisuais -- parte da primazia de que a conexão interativa de vozes distintas é a gema primal da criatividade espontânea.
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