Trombonista de jazz, teórico musical, prolífico improvisador, membro da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians) e parceiro de Anthony Braxton e John Zorn nos anos 70 e 80 -- entre outros grandes nomes americanos e europeu do avant-garde --, George E. Lewis também é dono de uma destacada carreira como acadêmico e compositor erudito, tendo projetos autorais de grande envergadura, recebendo inúmeras encomendas e tendo sido comissionado por diversas entidades, orquestras e conjuntos de câmera. Só para se ter uma ideia, nos anos 80 ele foi convidado para empreender-se em palestras e projetos no IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique), centro de avanços da música eletroacústica fundado por Pierre Boulez; e mais recentemente, na temporada 2020/ 2021, George Lewis recebeu a oportunidade de ser comissionado pela London Sinfonietta, célebre orquestra de câmera de Londres especializada em música erudita contemporânea. Adepto não apenas dos instrumentos eletrônicos portáteis e da eletroacústica analógica como também das novas possibilidades digitais, George Lewis também é um dos pioneiros das explorações do computador como um instrumento para se fazer música digital contemporânea: "The KIM and I" para micro-computador e trombone é uma das suas primeiras peças nesse quesito e data-se de 1979. Antes, George Lewis já havia explorado as possibilidades eletrônicas dos sintetizadores e outros instrumentos eletroacústicos através das peças "Chicago Slow Dance" (1977) para ensemble eletroacústico e "The Imaginary Suite" (1977) para fita magnética, live electronics e instrumentos acústicos. Porém, as gravações primeiras dessa fase de George Lewis não são tão fáceis de se encontrar: elas estão dispostas em álbuns como Jila - Save ! Mon. - The Imaginary Suite (Black Saint, 1979) com o saxofonista e clarinetista Douglas Ewart, e Chicago Slow Dance (Lovely Music, 1981) gravado no Studio Rivbea de Sam Rivers e remixado no Center for Contemporary Music, Mills College, em Oakland, Califórnia. O Mills College, aliás, seria uma das primeiras das grandes instituições de ensino na qual George Lewis lecionaria: segundo seu perfil na MacArthur Foundation -- uma das fundações das quais recebeu investimentos para fomentar sua música criativa --, nos últimos quarenta anos ele já passou pelas principais instituições de ensino e universidades americanas como compositor comissionado, professor, palestrante ou diretor de departamento musical -- entre elas University of California, University of Chicago, Columbia University e Berkeley School of Music. Para quem lê em inglês e quiser conhecer a fonte inicial de criatividade de George E. Lewis, o ideal é adquirir o book A Power Stronger Than Itself: The AACM and American Experimental Music (University of Chicago Press), idealizado e escrito pelo próprio trombonista: o book traz fotos, relatos emblemáticos e toda a história da AACM, sem dúvidas um núcleo criativo sem precedentes na história da música americana, no qual e do qual o próprio George Lewis moldou boa parte da sua arte musical.
Mais recentemente, em 2020, o selo Carrier Records lançou o histórico registro Rainbow Family (1984) que documenta a estadia de dois anos de pesquisa e experimentação musical que George Lewis empreendeu no IRCAM -- o então novo laboratório de música eletroacústica inaugurado por Pierre Boulez em 1977. Nesse registro, George Lewis idealizou uma das primeiras performances para microcomputadores e músicos improvisadores. Nas liner notes do LP, Lewis escreve que ele mesmo realizou toda a montagem do hardware e a programação do software, usando a interface digital MIDI e a linguagem de computador Forth, que ele aprendeu com seu mentor, o compositor e produtor musical David Behrman. O primeiro sintetizador digital popular, o Yamaha DX7, havia sido lançado no ano anterior, em 1983, e nessa gravação George Lewis usa três desses sintetizadores acionados por três computadores Apple II por meio do então novo padrão MIDI de interconexão. Esses três computadores Apple II e três sintetizadores Yamaha DX7 interagem com quatro músicos improvisadores: o saxofonista soprano Steve Lacy, o guitarrista Derek Baile, a contrabaixista Joëlle Leandre e Douglas Ewart no clarinete baixo e flautas. Gravado ao vivo diante de um público ávido por música nova, este registro tem mais um lance de gravação experimental de uma performance livremente improvisada, onde contracena-se sons orgânicos com as novas possibilidades digitais, do que a propriedade formal no âmbito da música escrita, composta e estruturada que George Lewis desenvolveria a partir dos anos 90.
Para quem é afeito a composições criativas para orquestras e conjuntos de câmera, a discografia de George Lewis é um território rico e amplo a se explorar. Seguindo, ao seu próprio estilo, uma trilha exploratória iniciada por Anthony Braxton, mesmo em seus registros de free jazz e livre improvisação gravados entre meados dos anos 70 e meados dos anos 80 -- quando seu campo de atuação ainda não se tinha estendido de forma ampla e diversificada para a faceta de trabalhar com parcerias do universo erudito e acadêmico --, já há exemplos de peças onde ele se inclina para a estética erudita, sempre incluindo eletrônicos aqui e ali para temperar o molho. Um exemplo é o álbum Shadowgraph (Black Saint, 1978): o registro é um exemplo de repertório com peças autorais que abordam diferentes formações instrumentais com alusão mais camerística do que freejazzística, e um exemplo de como a livre improvisação é estruturada por meio de uma notação musical inusual, pessoal e idiossincrática. A peça-título Shadowgraph, 5, inclusive, seria retrabalhada no álbum George Lewis: The Will To Adorn (New Focus Recordings, 2017), onde o International Contemporary Ensemble aborda um perfil da música erudita criativa de Lewis através de algumas das suas peças autorais e mais um desenvolvimento seu com estruturas e texturas iconoclastas em torno do Septeto Opus 20, de Beethoven, que traz a virtuosa percussão de Steven Schick no quarto movimento. Outro exemplo é o álbum Voyager (1993), que foi lançado inicialmente pelo selo japonês Avant Records -- fundado por Kazunori Sugiyama em parceria com John Zorn --, e que posteriormente seria relançado pelo selo Tzadik no catálogo que Zorn designou como Composers Series: gravado em 6 de fevereiro de 1993 no Alfred Hertz Hall, Universidade da Califórnia, Berkeley, trata-se do registro de duas composições escritas para computador e dois instrumentos acústicos -- aqui com o próprio George E. Lewis no trombone e Roscoe Mitchell no saxofone. E não pararia por aí a contribuição de George E. Lewis para o catálogo Composers Series da Tzadik: os álbuns Endless Shout (2000) e Les Exercices Spirituels (2011) são mostras primorosas desse catálogo, com uma gama variada de possibilidades camerísticas e improvisativas levadas a cabo por variadas formações instrumentais, incluindo aplicações de eletroacústica no meio do molho.
Sendo cada vez mais requisitado e respeitado como um compositor de renome não apenas nos circuitos do jazz e da livre improvisação, mas também nos circuitos acadêmicos de música erudita, George E. Lewis passou a receber cada vez mais encomendas, comissões e parcerias americanas e europeias de músicos, ensembles e orquestras que quiseram interpretar e gravar suas peças. Nesse quesito, podemos listar uma sequência de álbuns dos últimos anos nos quais as obras de George Lewis são interpretadas com ou sem sua presença. Os álbuns Kimmig-Studer-Zimmerlin & George Lewis (2019) e Breaking News (2020), lançados pelo selo Ezz-thetics da gravadora suíça Hat Hut, é um exemplo das suas aplicações camerísticas com cordas (violino, viola e cello), tendo a presença do seu distinto trombone. Por fim, dois dos exemplos de registros com conjuntos de câmera que interpretam obras suas sem sua presença são: Assemblage (New World Records, 2017) com o Ensemble Dal Niente regido pelo maestro Michael Lewanski; e o já citado George Lewis: The Will To Adorn (New Focus Recordings, 2017), com o aclamado International Contemporary Ensemble. Ademais, outro espectro que George Lewis explora com rara criatividade é o das peças e arranjos para o que ele chama de "creative orchestra" -- espectro que, aliás, observa-se a onisciente influência de Anthony Braxton. Neste âmbito de arranjos para versões mais pessoais, expandidas e idiossincráticas de orquestra, temos os registros The Shadowgraph Series: Compositions For Creative Orchestra (Spool, 2001) e George Lewis & Splitter Orchester - Creative Construction (Mikroton Recordings, 2016).
Seguindo com suas explorações entre instrumentos variados e eletroacústica, George Lewis acaba de lançar o álbum The Recombinant Trilogy (New Focus Recordings, 2021) que consiste em três obras para instrumentos solo, laptop e outros aparatos eletrônicos. Abordando cada instrumento separadamente, aqui George Lewis explora efeitos digitais interativos para trabalhar a espacialização dos sons, a transformação dos timbres e para transformar os sons acústicos do instrumento em múltiplas inflexões sonoras criadas digitalmente. A peça Emergent (2013), interpretada por Claire Chase (flauta) e Levy Lorenzo (eletrônicos), foi encomendada pela própria flautista para o seu projeto Density 2036 -- trabalho no qual a instrumentista vem reunindo um amplo corpo de composições contemporâneas para flauta solo -- e trabalha com a flauta interagindo com loops digitais imitativos, o que cria um efeito um tanto inebriante. A peça Not Alone (2014), é interpretada por Seth Parker Woods (violoncelo e eletrônica) e é dedicada ao violoncelista Abdul Wadud, improvisador americano pioneiro do uso do violoncello no free jazz e na improvisação livre, além de um dos membros principais do Black Artists Group, de St. Louis: George Lewis se inspira aqui no emblemático álbum solo By Myself que Wadud lançou em 1977, nos apresentando uma peça para cello repleta de delays, desfoques e distorções criativas. Já na peça Seismologic (2017), interpretada por Dana Jessen (fagote) e Eli Stine (eletrônica), George Lewis se inspirou no trabalho de um colega sismologista, que ele conheceu na Universidade de Columbia: a peça trabalha com um efeito digital gutural e sombrio em torno do timbre grave do fagote em alusão a um cataclisma sismológico, evoca uma revoada de pássaros através de loops no registro agudo, nos traz a imagem sonora de um colônia de insetos em forma de zumbidos alienígenas, imita vendavais através de técnicas estendidas de sopros na palheta, entre outras técnicas estendidas que traz uma abordagem inédita de fagote experimental.