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O Adeus de Chick Corea - O pianismo poliglota da lenda que encantou o mundo e dominou os vários dialetos do jazz

I want to thank all of those along my journey who have helped keep the music fires burning bright. It is my hope that those who have an inkling to play, write, perform or otherwise, do so. If not for yourself then for the rest of us. It’s not only that the world needs more artists, it’s also just a lot of fun.

And to my amazing musician friends who have been like family to me as long as I’ve known you: It has been a blessing and an honor learning from and playing with all of you. My mission has always been to bring the joy of creating anywhere I could, and to have done so with all the artists that I admire so dearly—this has been the richness of my life.

O texto acima foi a deixa com a qual o pianista Chick Corea -- já sabendo que sua hora de partir desse mundo estava chegando -- se despediu dos seus familiares, amigos e fãs na última semana. E muito embora sua condição de saúde estivesse dolorosa e nós fãs de jazz tenhamos ficado tristes, Corea mostra em sua despedida que ele quer que seus seus amigos, familiares e fãs encarem sua partida com os coraçãos tranquilos: ele se despede ciente que sua missão tinha acabado, sem muito sentimentalismo, apenas expressando a gratidão de ter nos feito felizes com sua criatividade durante seis décadas de atuação. E se a música é uma arte e os estilos musicais são linguagens dentro dessa arte, o músico e compositor Armando Anthony "Chick" Corea foi um verdadeiro poliglota. Figura sorridente e carismática -- com seus olhos vívidos, um sorriso maroto sempre aberto por detrás do bigode estiloso e um humor hispânico, lúdico, quase circense --, Chick Corea foi uma lenda viva do jazz que levantava multidões mundo afora. Mas ele não dominava apenas o idioma do jazz: seus voos pianísticos permearam a música erudita, a música abstrata improvisada, a música espanhola, a música brasileira... -- aliás, podemos dizer que Corea improvisava sobre linhas de samba com a mesma propriedade que um genuíno pianista brasileiro! E mesmo dentro do jazz apenas, Corea dominou diversos dialetos: bebop, post-bop, free jazz, fusion, voltava sempre ao straight-ahead para evocar um jazz mais clássico e aplicar tons renovados de contemporaneidade às baladas e aos standards...Enfim, Chick Corea, já algumas vezes abordado neste blog, foi um pianista completo -- talvez o mais completo pianista da sua geração. E foi na última quinta-feira, dia 11 de fevereiro de 2021, que seus familiares foram às redes sociais para noticiarem ao mundo o seu falecimento, ocorrido no dia 09 de fevereiro por conta de um câncer raro descoberto recentemente. A notícia trouxe aquela triste sensação de que realmente estamos ficando sem os últimos mestres do século XX, as últimas lendas inovadoras que ainda enriqueciam nossos dias com suas presenças, em vida. Dito isso, não é necessário aqui explanarmos muitas palavras ou traçarmos um perfil biográfico da carreira já bem afamada de Chick Corea -- exercício de pesquisa que o próprio leitor pode fazer através da Wikipédia e doutros sites e portais de música. Até porque, como se trata desde sempre de um dos músicos mais famosos da história do jazz, o que mais repercutiu nos portais jornalísticos e sites especializados por esses dias foi a notícia da sua morte acompanhada de um resumo da sua biografia: abordando seus principais álbuns, seus temas que se tornaram standards genuínos do jazz, seus 23 prêmios Grammys e as fases mais célebres da sua carreira. Aqui no Brasil, a notícia do falecimento de Corea teve destaque até no Jornal Nacional da Rede Globo -- vide aqui neste Link. Contudo, é preciso reclamar um adendo. Muitos dos dos canais jornalísticos e meios de comunicação que noticiaram a morte de Chick Corea -- mesmo alguns canais norte americanos mais especializados -- traçaram apenas um perfil superficial do grande músico que ele foi: enfatizaram apenas suas passagens pela banda de Miles Davis no final dos anos 60 e sua contribuição para o jazz fusion nos anos 70, fase onde ele foi um dos principais inovadores das fusões de jazz com rock, através da sua banda Return to Forever. E isso é muito pouco em relação à versatilidade assustadora e a completude musical de um poliglota como Chick Corea. Muitos esqueceram de citar -- ou, obedecendo uma índole mais simplista e comercial, não tiveram mesmo a intenção de abordar -- suas incursões criativas na estética do free jazz ao lado de Anthony Braxton no final dos anos 60, seus registros inovadores de piano solo, sua especialidade em elaborar arranjos com amálgamas indescritíveis, seus elaborados temas que são verdadeiros standards e estudos jazzísticos da música brasileira e do flamenco espanhol, e sua sensibilidade nos campos da improvisação livre -- apenas para citar alguns aspectos que muitos desses obituários e matérias omitiram quando tentaram trazer um perfil biográfico resumido da lenda que foi Chick Corea. Na minha opinião, mesmo o obituário mais simples e resumido deveria enfatizar, ainda que numa síntese bem curta, a completude lendária que Chick Corea expressou em vida, pois essa foi sua verdadeira essência: um tecladista inovador, um grande compositor, um excelente arranjador, um pianista completo, um verdadeiro poliglota da linguagem da música que atuou em vários contextos artísticos. Deixando de lado suas facetas mais citadas e celebradas -- seus registros com Miles Davis e com seu grupo Returno to Forever, dentre outras facetas mais comentadas pela mídia --, abaixo apresento ao leitor algumas trilhas por onde Chick Corea explorou estéticas e formatos variados, trilhas que atestam sua versatilidade, completude, inquietude e sua busca constante por mudar, inovar e experimentar:


Free Jazz w/ Circle Quartet & Marion Brown

Entre os anos de 1968 e 1971, Chick Corea se empreendeu em uma fase em que, paralelamente aos seus projetos iniciais e suas colaborações com Miles Davis, ele explorou a estética do free jazz ao lado de ninguém menos que o iconoclasta Anthony Braxton. Chick Corea funda, então, um quarteto primeiramente com Anthony Braxton nos saxes e clarinetes, Dave Holland revezando com Miroslav Vitouš no contrabaixo e Barry Altschul revezando com Roy Haynes na bateria. Este quarteto acabou se firmando com Corea, Braxton, Holland e Altschul e foi chamado de Circle. Com o Circle -- fundado por Chick Corea, mas com uma co-liderança bem aparente nas mãos de Braxton, que se tornou o segundo principal compositor da banda -- há cinco álbuns de estúdio: Circling In (gravado entre 1968 e 1970, e lançado em 1975 pela Blue Note), Circulus (também gravado em 1970, e lançado em 1975 pela Blue Note), Circle 1: Live in Germany Concert (CBS/Sony Japan, 1970), Circle 2: Gathering (CBS/Sony Japan, 1971), e o emblemático Paris Concert (ECM, 1971). Na verdade, nesse combo Chick Corea e seus companheiros tocam seus instrumentos principais, mas também se revezam no vibrafone, sintetizadores e kits de percussão, além do fato de Dave Holland também tocar guitarra em algumas faixas. Então, temos aqui nestes registros uma miríade de free jazz com aspectos do post-bop e do já eminente estilo fusion embebecido de world music. Em 1972 Chick Corea sairia da banda para dar ênfase ao seu recém criado grupo Return to Forever, com o qual seria um dos pioneiros do jazz fusion. Braxton, por sua vez, segue com a banda num outro formato, agora sob a alcunha de Anthony Braxton Quartet: convidando o trompetista Kenny Wheeler e, posteriormente, o trombonista George Lewis para preencher o espaço deixado por Corea. Ademais, nessa fase freejazística Corea também participou do cult álbum Afternoon Of A Georgia Faun (ECM, 1970) de Marion Brown: uma obra prima do free jazz a La ECM -- o quarto lançamento da gravadora que se iniciava, aliás  -- que traz o pianista ao lado de grandes nomes da vanguarda da época, incluindo a cantora Jeanne Lee.


Improvisações e livres improvisações: piano solo em vários contextos

Chick Corea -- assim como Ran Blake, Paul Bley e Keith Jarrett, mas diferente de cada um deles em termos de estilo pessoal -- foi um dos pioneiros das impressionistas improvisações em piano solo que pipocaram entre finais dos anos 60 e início dos anos 70, talvez sendo o pianista que mais variou os contextos dentro desta abordagem e que mais expressou um pianismo híbrido. Em 1971 -- em dois dias de gravação no estúdio da ECM em Oslo, em 21 e 22 de Abril --, Chick Corea gravou uma sequência de improvisações sobre canções suas e standards de Thelonious Monk e Wayne Shorter, além de uma distinta suíte com oito miniaturas livremente improvisadas chamada "Where Are You Now? – A Suite of Eight Pictures": estas faixas foram lançadas nos álbuns Piano Improvisations Vol. 1 e Piano Improvisations Vol. 2, onde o pianista emite uma nota nos LPs dizendo que aquela música havia sido criada com a visão de quem desejava um mundo e uma vida melhor para as pessoas -- "This music was created out of the desire to communicate and share the dream of a better life with people everywhere". Em 1979, Chick Corea volta ao formato do piano solo para gravar as sequências de faixas dos álbuns Delphi I, Delphi II & Delphi III, lançados pela gravadora Polydor: as faixas desta trilogia foram gravadas na Delphian Foudation, uma escola e fundação ligada à religião conhecida como Cientologia, e reflete várias preferências e estados de espírito do pianista, também refletindo uma poética pessoal baseada na sua visão de um mundo melhor: as improvisações refletem sua espiritualidade interior moldada pela Cientologia e também abordam preferências como o samba, o flamenco, o ballet e a sua admiração pelo estilo stride do histórico pianista Art Tatum. O fascínio de Chick Corea por Art Tatum era conhecido: tanto, que em 1994 ele lançaria o álbum Expressions (GRP), mais um registro em piano solo dedicado a Tatum e com releituras à diversos standards clássicos do jazz. Por fim, talvez o registro de piano solo mais excelente e distinto de Chick Corea esteja no álbum From Nothing: Solo Piano (Stretch Records, 1996): o álbum dispõe de uma sequência de peças sem títulos e sem temáticas, apenas improvisadas de forma livre e com uma sonoridade mais próxima ao vanguardismo de um dissonante impressionismo abstrato, com o piano como instrumento central sendo temperado por técnicas estendidas e sutis efeitos eletrônicos de teclados e sintetizadores -- um álbum de piano solo que soa atonalmente melódico. Esses registros de estúdio -- sem mencionar os registros de piano solo gravados ao vivo -- refletem a enorme criatividade de Chick Corea em variar os contextos delineados por suas improvisações e livres improvisações dentro do formato do piano solo.


Jazz Fusion: álbuns com arranjos sofisticados, temáticos e conceituais

Essa trilogia de álbuns acima -- entre outros -- expõe a impressionante inteligência de Chick Corea de elaborar arranjos temáticos e conceituais dentro da estética de fusão. São projetos solo, que são menos citados que os álbuns gravados com seu grupo Return to Forever -- que tinha uma abordagem mais perto do funk e do rock, mais comercial (ainda que com diversos elementos experimentais e inovadores que merecem ser abordados em outro post) --, mas que nos fazem adentrar ao universo lúdico de Chick Corea através de uma instrumentação mais elaborada. O álbum The Leprechaun (Polydor, 1976) traz um arranjo orquestral de três trompetes, dois trombones e uma flauta com um quarteto de cordas (violinos, viola, cello), mais uma cozinha de contrabaixo e bateria com Chick Corea explorando piano acústico, sintetizadores e teclados vários, e também inserindo o canto vocal da vocalista Gayle Moran (sua esposa) como um ingrediente instrumental distinto. Não à toa, em 1977 Chick Corea ganha dois prêmios Grammy -- nas categorias Best Jazz Performance e Best Instrumental Arrangement -- apenas com The Leprechaun. E as ideias e os arranjos vão se multiplicando nos álbuns seguintes. Seguindo o mesmo requinte instrumental -- apenas acrescentando a participação do violinista francês Jean Luc-Ponty (colaborador de Frank Zappa e da Mahavishnu Orchestra) --, Chick Corea lança logo em seguida o álbum My Spanish Heart (Polydor, 1976), onde explora a música espanhola (mais especificamente o flamenco e a rumba) e elementos da música brasileira: trata-se de um álbum onde ele expressa todo seu fascínio pela latinidade através de temas bem compostos que são, na verdade, verdadeiras peças contemporâneas bem elaboradas -- ele aborda seu fascínio pela música latina de uma forma lúdica e futurista e sem soar demasiadamente folclórico, vide as partes das peças "El Bozo" e "Spanish Fantasy". O cúmulo da sua inteligência orquestral é alcançado no álbum The Mad Hatter: que é uma fantasia musical baseada na estória Alice's Adventures in Wonderland (Alice no País das Maravilhas, em português), onde Chick Corea trabalha com a mesma instrumentação, mas com arranjos ainda mais lisérgicos através da participação de Herbie Hancock trazendo ainda mais sintetizadores e teclados eletrônicos para explorar essa sinestesia com a fábula de Lewis Carroll. Estes três álbuns evidenciam, enfim, uma fase hiper criativa onde Chick Corea expressa esse seu lado musical do lúdico, da fantasia e da fábula através de arranjos fantásticos.


Música erudita: composições autorais com abordagens camerísticas e sinfônicas

Chick Corea foi um virtuose do piano com a mesma capacidade de interpretar peças de Mozart, Beethoven e Bartók que qualquer concertista erudito. E há, mesmo, alguns registros onde Corea explora esta faceta da interpretação de peças eruditas: vide, por exemplo, o álbum Greatest Hits of 1790, com ele ao lado da Philharmonia Virtuosi of New York. Porém, para ouvintes mais curiosos o que mais pode interessar é o fato de que Corea também compôs suas próprias peças de cunho erudito e temas com arranjos de cordas e arranjos camerísticos e sinfônicos. Dois exemplos de álbuns com composições e arranjos autorais nestas abordagens são: Lyric Suite for Sextet (ECM, 1983) com o vibrafonista Gary Burton mais um quarteto de cordas; e Septet (ECM, 1985) com o flautista Steve Kujala e o trompista Peter Gordon mais um quarteto de cordas. Ademais, temos outros dois álbuns interessantes nesta abordagem: Corea Concerto: Spain for Sextet & Orchestra – Piano Concerto No. 1 (Sony Classical, 1999) onde ele cria um arranjo sinfônico da composição "Spain" numa versão para sexteto de Jazz e orquestra  -- aqui a cargo do seu sexteto Origin e da London Philharmonic Orchestra -- e apresenta seu concerto para piano e orquestra inspirado em Mozart; e o outro álbum é The Continents: Concerto for Jazz Quintet & Chamber Orchestra (Deutsche Grammophon, 2011) com um quinteto de jazz formado com o trombonista Steve Davis, o saxofonista Tim Garland, o baixista Hans Glawischnig e o baterista Marcus Gilmore, mais uma orquestra de câmera formada por membros do The Harlem Quartet e Imani Winds. Por fim, outro álbum de cunho erudito é o distinto Children's Songs (ECM, 1984): sendo mais um dos seus elaborados álbuns em piano solo, num contexto completamente diferente dos registros improvisados, aqui temos Chick Corea escrevendo miniaturas minimalistas que são um tanto baseadas nos seis volumes de Mikrokosmos -- famosos livretos onde Bela Bartók expõe suas 153 peças curtas para estudo de dificuldade progressiva --, tendo como temática a sinestesia entre a simplicidade melódica e simplicidade de uma criança. Esses registros exprimem uma estética que flutua entre o neoclássico e a third stream, com ecos do modernismo aqui e ali. Através deles podemos dizer que Chick Corea escreveu peças eruditas primorosas!


Piano Duets em variados contextos

Pelo menos em dois registros Chick Corea se uniu a outros pianistas eruditos para explorar as possibilidades -- de interpretações à improvisos -- a quatro mãos: ao lado do concertista cipriano Nicolas Economou no álbum On Two Pianos, gravado pela Deutsche Grammophon, num registro com os dois pianistas tocando juntos no Munich Summer Piano Festival, em 1981 e 1982; e ao lado do pianista austríaco Friedrich Gulda no álbum The Meeting, gravado pela Decca em 1983. Lembrando que da mesma forma que Chick Corea era um pianista de jazz com capacidade de ser um concertista erudito, Nicolas Economou e Friedrich Gulda eram concertistas com grande capacidade de improvisação. E em pelo menos três álbuns, Chick Corea se une aos seus colegas pianistas do jazz: An Evening with Herbie Hancock & Chick Corea: In Concert, uma gravação de 1978 realizada  ao vivo com Herbie Hancock no Masonic Auditorium, em Los Angeles; Orvieto (ECM, 2010) que traz improvisações sobre standards do jazz, canções brasileiras e italianas, além dos temas hispânicos de Corea, aqui ao lado do pianista italiano Stefano Bollani; e Duet, um duo com a virtuose Hiromi Uehara que é um dos melhores duetos de piano dos últimos tempos, evocando também desde composições próprias dos dois pianistas até temas de Tom Jobim, Lennon-McCartney, Thelonious Monk, Bill Evans e Gershwin. Estes álbuns são um primor dor formato de piano duo porque exprimem um caleidoscópio de teclas exploratórias a quatro mãos que dificilmente se encontra nos registos de música clássica tradicional que abordam esse mesmo formato.


Piano & Vibes: o longevo e emblemático duo com Gary Burton

Entre atos e hiatos, o vibrafonista Gary Burton foi a mais longeva parceria de Chick Corea. Juntos, eles lançaram verdadeiras pepitas do duo piano-vibrafone, popularizando ainda mais esse formato -- a começar pelo emblemático álbum Crystal Silence de 1972, que é um dos registros mais primorosos do portfólio da ECM Records, trazendo composições próprias de Corea e Steve Swallow. Nos anos 70, Burton e Corea fariam diversos shows aclamados pela crítica, voltando aos registos no final dos anos 70 com os álbuns Duet (gravado na Delphian Foudation em 1978) e In Concert, Zürich, October 28, 1979. O duo passa por um longo hiato longe dos palcos e dos estúdios e retoma as gravações em Native Sense: The New Duets (Concord, 1997). Por fim, o último registro onde as duas lendas do jazz se encontram é Hot House (Concord, 2012). Estes cinco álbuns, gravados dentro de um período de quarenta anos de parceria, expressam os mesmos tons impressionistas que Chick Corea expressou em seus álbuns de piano solo -- com suas miniaturas livremente improvisadas, improvisações sobre temas próprios, suas Children's Songs, versões contemporâneas de standards... --, porém aqui com ênfase jazzística na interatividade, no contraponto, e em novas vibes, resultando na junção cores caleidoscópicas do seu piano com as baquetas ágeis e ressonantes de Gary Burton.


Duetos com instrumentos e instrumentistas variados

O duo, aliás, parece ter sido um dos formatos de banda que mais seduziram Chick Corea, pois além dos duos com Gary Burton e com outros pianistas, ele se empreendeu em vários duos e duetos com vários outros instrumentistas talentosos. Três dos duos mais acessíveis em sua discografia são: Voyage (ECM, 1984) com o flautista Steve Kujala; Play (Blue Note, 1992) com o instrumentista da voz Bobby McFerrin; The Enchantment (Concord, 2007) com o mestre do banjo Béla Fleck.


Post-bop, neo-bop e straight-ahead jazz

A começar pelo álbum Now He Sings, Now He Sobs (Solid State, 1968) -- em trio com o contrabaixista Miroslav Vitouš e o baterista Roy Haynes --, Chick Corea foi um dos mais hábeis pianistas a transitar pelas inflexões da linguagem bebop e da sua flexível variante conhecida como post-bop. Chick Corea foi, aliás, um dos poucos tecladistas do jazz fusion a manter uma forte conexão com o jazz acústico moderno e contemporâneo. Começando a carreira em meados dos anos 60 justamente na era do post-bop, passando pelo free jazz e já imerso na estética eminente do fusion,  Corea abordou muito pouco o jazz puramente acústico nos anos 70, se concentrando mais nas explorações eletrônicas e suas misturas com a world music. Porém, Corea nunca abandonou o formato convencional de banda acústica. Nos anos 80, percebendo que toda a euforia em torno do jazz fusion já havia passado, ele passou a revezar-se entre as bandas Elektric Band e Akoustic Band, numa clara intenção de retomar o straight-ahead dos formatos acústicos. Trazendo inspirações de pianistas como Art Tatum, Bud Powell, Thelonious Monk e McCoy Tyner, Corea passou a transitar nos mesmos circuitos da nova geração de jovens músicos de jazz que estavam resgatando o bebop e o post-bop modal -- os chamados de young lions. Corea passou a destilar um estilo pessoal híbrido caracterizado por fraseados ágeis e claros, mas com muita jovialidade e muita bagagem criativa para aplicar algumas inflexões modais e algumas dissonâncias aqui e ali. Essa versatilidade, de manter renovada sua paleta melódico-harmônica e manter seu dedilhado atualizado aos moldes contemporâneos, o credenciou a figurar, também, como um dos principais veteranos a engrossar o caldo da retomada do jazz acústico empreendida por estes jovens músicos do neo-bop, tais como os pianistas Kenny Kirkland e Brad Mehldau, o contrabaixista Christian McBride, os bateristas Brian Blade e Jeff Ballard, entre outros. Álbuns com estas características incluem: Chick Corea Featuring Lionel Hampton (Bellaphon, 1988), Akoustic Band (GRP Records, 1989), Time Warp (GRP Records, 1995), Remembering Bud Powell (Stretch Records, 1997), Super Trio (2006) e as gravações de Trilogy entre os anos de 2013 e 2016, que traz um trio estelar com Corea ao lado de Christian MBride e Brian Blade.