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Rest In Peace, Jazz Masters. Músicos legendários que faleceram nos últimos anos. Um triste sinal dos últimos tempos.


Na última semana do mês de agosto deste ano de 2022 fomos abalados com os falecimentos de dois grandes músicos de jazz: a trompetista Jaimie Branch -- que usava seu nome estilizado como jaimie breezy branch (em letras minúsculas) -- e o organista e multi-instrumentista Joey DeFrancesco. Foi demais para uma semana! Algo difícil de processar! Foi uma daquelas semanas que deixaram os fãs consternados e deixaram praticamente todas as comunidades de músicos de jazz de luto -- de todos os estilos, dos músicos de Chicago aos músicos nova-iorquinos, incluindo os músicos europeus. Joey DeFrancesco, de 51 anos de idade, era simplesmente o maior dos organistas vivos, um dos maiores nomes da história do Hammond B3, e um dos modernizadores incontestes do organ jazz nas últimas décadas. E jaimie breezy branch, de 39 anos de idade, vinha em uma ascensão de presença e reconhecimento meteóricos tanto nos EUA quanto na Europa, sendo uma estrela da gravadora International Anthem, com presença em diversos festivais tais como o Festival Of New Trumpet Music (FONT) e o Free Jazz Vision Festival, e era um nome recorrente nas gravações de músicos tais como Fred Lonberg-Holm, James Brandon Lewis, Jeff Parker, Ken Vandermark, Nate McBride, entre muitos outros. A morte é, infelizmente, um estágio natural pelo qual todos nós iremos passar -- mais cedo ou mais tarde --, mas essa recorrência de muitos falecimentos nesses últimos tempos nos traz um triste indicativo: além das patologias as quais todos nós estamos sujeitos e das consequências trágicas da pandemia da COVID-19, as quais levaram muitos grandes nomes da música, estamos numa daquelas viradas de época que indica que os jazz masters mais icônicos das gerações do século 20 -- que fizeram história nos anos 50, 60, 70, 80 e 90, aqueles nomes constantemente reverenciados e referenciados como pilares e influências -- estão envelhecendo e encerrando sua jornada no universo terreno da música. E para além do luto, ainda fica aquela impressão de que esses grandes mestres nos deixam sem substitutos à altura. É claro que existem grandes jovens músicos com talentos à altura -- com técnicas avançadas, musicalidades afloradas e ousadias para criar e experimentar --, mas só o tempo vindouro poderá consagrá-los mediante o conjunto da obra de cada um deles. Por ora, a impressão que fica é que não haverá outro pianista com o tino inovador e a universalidade de um Chick Corea, por exemplo. Muitos dos mestres septuagenários e octogenários se mantêm ativos, criativos e produtivos -- sem mencionar o fato de que a vida se encerra, também, entre os mais jovens. Mas o que será do jazz no século 21 quando todos esses jazz masters partirem? Será que os jovens músicos serão capazes de manter as chamas da criatividade, invenção e inovação tal como esses mestres fizeram por décadas? Essas são as perguntas que não querem calar. Neste post, em forma de lembretes e menções breves, faço um memorial para alguns dos grandes nomes do jazz que faleceram nesses últimos tempos. Felizmente, eles nos deixaram álbuns que são testemunhos vivos das suas realizações musicais -- aqui mesmo no blog há textos dedicados para muitos deles! Clique nos álbuns para ouvi-los.


Chick Corea (1941–2021): lenda do piano e dos sintetizadores, compositor, intérprete, improvisador dos mais refinados, ele foi do jazz ao erudito, do post-bop ao jazz-fusion, do piano solo aos mais variados formatos de banda, do straigt-ahead mais purista ao free jazz mais visceral, do songbook americano à música brasileira e espanhola. My Spanish Heart (Polydor, 1976) é um dos álbuns indicados para relembrá-lo. Na data do seu falecimento, dedicamos um post mais detalhado sobre 👉suas facetas.


Tony Allen (1940 – 2020): um dos fundadores do afrobeat -- tendo atuado, inclusive, como baterista da banda Africa 70, de Fela Kuti --, um dos maiores bateristas da história e um dos músicos africanos mais influentes não apenas no jazz, mas em várias áreas da música. Após ter trabalhado com Fela Kuti, Tony Allen se aventuraria em misturas de ritmos africanos com eletrônica, dub, R&B e hip hop, numa síntese que ele mesmo rotulava de afro-funk. Tendo sido influenciado por Max Roach e Art Blakey, a sua técnica percussiva é uma completude de técnicas jazzísticas, com highlife, afro-beat, funk, ritmos tribais e rítmicas ímpares angulares. Um bom álbum, para iniciar, é este abaixo, Rejoice (World Circuit, 2020), gravado em 2010 com o trompetista sul-africano Hugh Masekela.


Hugh Masekela (1939 – 2018): um dos trompetistas e compositores mais originais da história do jazz, considerado um dos "pais do jazz" da Africa do Sul, Masekela já fazia sucesso com suas canções no topo das paradas americanas no final dos anos 60. Nos anos 70 incluiria em seu mix de abordagens instrumentais o jazz-funk e o afro-beat, mantendo sua sensibilidade para criar canções e hits de sucesso, que posteriormente eram incorporados em álbuns de bandas e artistas da soul music, do pop e do rock. Muitas dos seus temas e canções foram, inclusive, verdadeiros hinos sul-africanos contra o regime racista do Apartheid. Hugh Masekela se aventurou também como cantor e lançou álbuns nas mais variadas formas musicais. Um álbum, para começar, é Home Is Where the Music Is (Chisa Records, 1972), com a participação do fantástico saxofonista Dudu Pukwana.



Joey DeFrancesco (1971 – 2022):
um dos maiores organistas da história do jazz -- tendo sido, talvez, o maior organista vivo da nossa época, ao lado de Dr. Lonnie Smith --, ele renovou e inovou as abordagens do órgão Hammond B3 dentro das estéticas contemporâneas do neo-bop, post-bop e jazz-funk das últimas décadas, empreendendo um continuum de grande frescor em relação à tradição do organ jazz da Filadélfia, berço de grandes organistas da história. Sua fluência era completa: dos fraseios mais ágeis e intricados do neo-bop à sensibilidade melódico-harmônica mais bluesy e soulful, além de trazer inspirações e releituras do funk e do pop, de vez em quando... -- vide, por exemplo, o álbum Never Can Say Goodbye: The Music Of Michael Jackson (HighNote, 2010). Nos últimos anos DeFrancesco também vinha dando ênfase em sua carreira como multi-instrumentista -- tocando saxofone, bateria, trompete, cantando e etc --, além de prestar consultoria para fabricantes de órgãos e sintetizadores e ajudar a desenvolver novos protótipos. Uma boa pedida é o álbum Trip Mode (HighNote, 2015), que vai da balada e do straight-ahead mais bluesy ao post-bop mais modal e intrincado, sempre com um frescor que lhe é muito característico. Filho do também organista "Papa" John DeFrancesco, Joey DeFrancesco faleceu precocemente aos 51 anos de idade.


Dr. Lonnie Smith (1942 – 2021): nome de importância fundamental para a história do organ jazz, ele era, ao lado de Joey DeFrancesco, o maior dos organistas vivos. Sua figura de turbante, vestes médio-orientais e sorriso contagiante irradiou as noites de inúmeros clubes de Nova Iorque por décadas, com turnês anuais para todos os cantos dos EUA. Nos anos 60, ele começou a carreira como organista no Quarteto do guitarrista George Benson e tocou com inúmeros jazz masters do hard bop, incluindo Lou Donaldson, Lee Morgan, Idris Muhammad, David "Fathead" Newman, King Curtis, e vários outros. Nos anos 70, ele foi um dos expoentes do jazz-funk e um precursor do acid jazz, incorporando elementos africanistas e vários sintetizadores junto às sonoridades do seu Hammond B3: vide, por exemplo, o álbum Afro-desia (Groove Merchant, 1975). Nas últimas décadas, Dr. Lonnie Smith manteve-se sempre muito criativo, variando bastante entre as várias formas de jazz e seus elementos correlatos: blues, gospel, funk, straigt-ahead, post-bop e muito mais. Uma boa pedida é o álbum Rise Up! (Palmetto, 2009).
 

jaimie "breezy" branch (1983 – 2022): ela vinha apresentando um dos trompetes mais versáteis e abrasivos dos últimos tempos. A partir da década de 2010, sua carreira teve uma guinada que passou a lhe conferir reconhecimento dentro e fora dos EUA, sobretudo entre os improvisadores europeus. Trazendo influências de trompetistas tais como Don Cherry, Axel Dörner, Booker Little e Miles Davis, jaimie branch era presença recorrente em concertos e discos de músicos de Chicago e Nova Iorque tais como Fred Lonberg-Holm, Mike Pride, Luke Stewart, Chad Taylor, Tomeka Reid, Ken Vandermark, James Brandon Lewis, e vários outros. Sua música particular misturava estilos tais como free jazz, fusion, indie rock, post-bop, modern creative e elementos de eletrônica, revezando-se entre estruturas elaboradas, passagens melódicas, temas marcantes, livres improvisos, ruídos provenientes de técnicas estendidas e efeitos eletrônicos. Na segunda metade da década de 2010, a trompetista funda a sua banda Fly or Die, com a qual lançou três excelentes álbuns pelo selo International Anthem. Faleceu precocemente aos 39 anos de idade.


Sonny Simmons (1933 – 2021): saxofonista alto que iniciou a carreira no cenário avant-garde do início dos anos 60 tocando com Eric Dolphy e Prince Lasha. Tendo um estilo próprio que misturava post-bop com free jazz, Simmons teve uma carreira um tanto conturbada por problemas pessoais, chegando a ficar totalmente na obscuridade, tocando e morando nas ruas, só voltando aos clubes a aos estúdios partir dos anos 90. Indico para audição, o álbum duplo Burning Spirits (Contemporary, 1971), que traz um rico caleidoscópio de cacofonias espirituais.


Ralph Peterson Jr. (1962 – 2021):  um dos mais requisitados e influentes bateristas da geração neo-bop e post-bop das últimas décadas -- e, consequentemente, da história do jazz --, tendo atuado também com vários músicos da free music, do m-base e do modern creative, tais como Steve Coleman, Don Byron, David Murray e Uri Caine. Sua técnica de bateria polirrítmica e intrincada era estupenda, o que lhe permitia trafegar livremente pelos vários estilos de jazz. Em seus álbuns, porém, ele adotava um estilo mais próximo as flexibilidades do neo-bop e post-bop. Subliminal Seduction (Criss Cross, 2002) é um bom álbum para ouvi-lo.


Milford Graves (1941 – 2021): ícone do free jazz e baterista inovador, Graves foi um polímata que trouxe novas sonoridades para seu drum set e para as gravações que participou, incorporando outros kits de percussão e outros conceitos advindos das suas predileções pelas culturas orientais e diversas outras áreas interdisciplinares -- jardinagem, fisioterapia, dança, artes marciais e etc. O abrasivo álbum Bäbi (Institute of Percussive Studies, 1977), tendo ele junto com dois saxofonistas de sopros incendiários (Arthur Doyle e Hugh Glover), é o álbum que indico. Ícone maior que figura inconteste na vanguarda da percussão.


Howard Johnson (1941 – 2021): desde meados dos anos 60, Howard Johnson figurava como um dos maiores nomes do sax barítono e da tuba. Johnson foi um dos responsáveis por levar a tuba para contextos diversos fora dos estilos tradicionais e convencionais de big band e brass band, figurando como solista e acompanhador em bandas de diversos formatos e atuando em estilos que iam do post-bop ao free jazz, passando por bandas de blues, rock e fusion. Testimony (Tuscarora, 2017), por exemplo, é um ótimo álbum de tuba inserida dentro das flexibilidades do post-bop.


Frank Kimbrough (1956 – 2020): pianista de post-bop que se tornou célebre por ser um dos fundadores do coletivo chamado Jazz Composers Collective e por ser membro fixo da big band de Maria Schneider, Frank Kimbrough tem um estilo impressionista que sintetiza com leveza características advindas de vários pianistas do passado -- Herbie Nichols, Thelonious Monk, Bill Evans, Vince Guaraldi, Keith Jarrett, Cecil Taylor, Paul Bley e Andrew Hill são suas citadas influências --, destilando rara sensibilidade repleta de colorido harmônico nos formatos solo, duo, trio e quarteto. Este álbum abaixo é um dos títulos que atestam seu refinamento.


Stanley Cowell (1941 – 2020): fundador da célebre e cult gravadora independente Strata-East, um heroico selo independente que abrigou muito dos músicos que foram obscurecidos pela decadência comercial do jazz nos anos 70, Cowell foi um pianista de estilo singular que atuou numa linha tênue entre as características do straigt-ahead, modal jazz, post-bop, free jazz e black music (blues, soul, funk, pan-africanismo e etc), sem, contudo, abandonar as primícias do jazz acústico. O álbum Blues for the Viet Cong (Polydor/ Freedom, 1969), primeiro da sua carreira como líder, é um bom exemplo para adentrar à sua obra.


Stanley Crouch (1945 – 2020): foi um baterista e escritor multifacetado -- crítico, novelista, poeta, pensador e colunista -- que iniciou a carreira antenado com o avant-garde do cenário chamado de "loft jazz" em meados dos anos 70 -- ao lado do célebre saxofonista David Murray, diga-se de passagem --, mas que a partir dos anos 80 voltar-se-ia para os estudos das tradições afro-americanas, se tornando basilar para o pensamento de revalorização da tradição do blues e do jazz como ponto central do orgulho americano. A base da sua obra foi associar o blues e o jazz mais como uma herança histórica e cultural permanente, e dissociar essa herança cultural e histórica das ideologias radicais de raça protagonizadas pelo movimento Black Power e, posteriormente, pelos movimentos do hip hop. Foi um antagonista, por exemplo, das ideias do seu colega Amiri Baraka. Para efeitos ilustrativos, em termos de pensamento e escrita, Stanley Crouch pode ser comparado com Martin Luther King, enquanto Amiri Baraka (1934–2014) é comparado com Malcom X. O pensamento de Stanley Crouch foi particularmente influente sobre o trompetista e compositor Wynton Marsalis, líder absoluto do neo-bop, post-bop e neotradicionalismo que renovaria os fundamentos do jazz acústico nos anos 80 e seria amplamente dominante nos anos 90. O livro Considering Genius: Writings on Jazz (2006) é um conjunto de críticas e pensamentos altamente indicado.
Greg Tate (1957 – 2021): Tate é considerado o escritor que estabeleceu a crítica jornalística do hip hop. Ele escreveu por anos para o Village Voice e foi colunista em diversos outros jornais e magazines tais como The New York Times, The Washington Post, Artforum, DownBeat, Essence, JazzTimes, Rolling Stone e VIBE. Entre os jazzófilos que cultuam os grandes músicos, Greg Tate pode ser um tanto desconhecido. Mas entre os pesquisadores e leitores mais fanáticos pela literatura musical e crítica jornalística, Greg Tate é uma sumidade a ser reverenciada. Enquanto músico, Tate era contrabaixista, começou a carreira tocando com James "Blood" Ulmer e Vernon Reid, foi membro-fundador do coletivo Black Rock Coalition, e chegou a fundar a eclética banda Burnt Sugar, com a qual fundiu elementos do jazz, avant-garde, rock, funk e hip hop. Enquanto escritor, Greg Tate é considerado um revolucionário da escrita jornalística musical: tanto por inserir os signos e gírias marginais do hip hop e da cultura pop em textos intelectualizados de conceitualidade jornalística -- sobre cultura, raça, música e afins --, como por comprovar que o hip hop, assim como fora o funk, é nada mais do que um desdobramento do blues e do jazz, e representa um continuum da revalorização da tradição afro-americana junto ao jazz contemporâneo. Greg Tate parece, enfim, encontrar um meio termo para o debate passadista protagonizado entre Stanley Crouch e Amiri Baraka, trazendo esse entendimento para um contexto ainda mais contemporâneo. O livro Flyboy In the Buttermilk: Essays on Contemporary America é um bom começo para conhecê-lo.


Eddie Gale (1941 – 2020): embora mais ativo com sideman da Sun Ra Arkestra, os poucos registros que o trompetista Eddie Gale nos deixou disponíveis como leader são espirituosos e expressivos, a começar pelo cult registro Ghetto Music (Blue Note, 1968), que traz uma miríade de free jazz, gospel, soul, africanidades e influências advindas de Sun Ra. Eddie Gale também se tornou célebre por suas associações com diversos dos grandes músicos de jazz -- associações muitas vezes mencionadas, embora poucas vezes registradas em álbuns --, e por suas participações nos álbuns Unit Structures (Blue Note, 1966), de Cecil Taylor, e Lanquidity (Saturn, 1978), de Sun Ra.


Lee Konitz (1927 – 2020): muito mais do que um dos modernistas do jazz -- daqueles dos advindos do bebop -- que exponenciaram a estética "cool" a partir dos anos 50, Konitz foi a prova de que a maturidade pode ser sempre um fator de requinte e rejuvenescimento. Com uma fluência fantástica e um som límpido, seu saxofone-alto atravessou gerações e, mesmo na casa dos 80 anos de idade, figurava sublime entre os músicos mais jovens do jazz contemporâneo. O álbum Live At Birdland (ECM, 2011) com o pianista Brad Mehldau, o contrabaixista Charlie Haden e o baterista Paul Motian é uma prova viva do seu requinte interminável. Faleceu em decorrência da COVID-19.


Ellis Marsalis (1934 – 2020): o patriarca da Família Marsalis, além de direcionar os filhos a serem grandes e influentes músicos, é considerado um dos educadores mais importantes de New Orleans, tendo sido professor de muitos grandes músicos tais como Terence Blanchard, Harry Connick Jr., Donald Harrison, Kent Jordan, Nicholas Payton, entre outros. Enquanto pianista, sua música caminhou entre os estilos de New Orleans, do straigt-ahead mais purista munido de standards e baladas e do post-bop com linhas de blues, com bons álbuns em piano solo, piano-trio e quarteto, incluindo alguns lançamentos célebres com os filhos. O álbum Whistle Stop (Sony Music, 1994) é um exemplo de boa forma do veterano. Faleceu em decorrência de complicações ocasionadas pela COVID-19.


Wallace Roney (1960 – 2020): ex-marido da legendária pianista Geri Allen, ele foi um dos trompetistas mais icônicos da sua geração, dando continuidade para as inovações estabelecidas pelo range entre o hard bop, post-bop, modal jazz e o jazz-fusion estabelecidos por Miles Davis, além de ser um sideman sempre muito requisitado. Foi o único músico a ter aulas presenciais com Miles Davis, uma aproximação que se tornou amizade e seria uma forte influência em sua música a partir de meados dos anos 80. O álbum Prototype (HighNote, 2004), com participações do DJ Logic, é um bom exemplo do ápice que ele alcançou. Faleceu em decorrência de complicações ocasionadas pela COVID-19.


Manu Dibango (1933 – 2020): ao lado do nigeriano Fela Kuti, o saxofonista camaronês Manu Dibango foi um dos músicos africanos mais icônicos da sua geração, representando um continuum ao gênero do afro-beat -- incorporando muito da instrumentação eletrônica do jazz-fusion, electro-funk e pop oitentista, inspirando-se, por vezes, em Herbie Hancock -- e tendo sua influência expandida para além dos circuitos do jazz, com suas canções recebendo releituras em álbuns de Kool and the Gang, Michael Jackson e Rihanna. O álbum African Voodoo (Soul Massoka, 1971) é um bom exemplo do seu início de carreira, marcado por um afro-beat ainda em seus estágios orgânicos iniciais. Faleceu em decorrência da COVID-19.


McCoy Tyner (1938 – 2020): membro do icônico Quarteto do saxofonista John Coltrane, e músico seminal para a evolução da harmonia e do improviso pianístico, principalmente por sua destreza em improvisar sobre bases harmônicas modais em um estilo moldado por um post-bop que combinava complexidade com desenvolvimentos livres em rubato. Como Tyner era canhoto, ele precisou desenvolver uma destreza onde seus improvisos de mão direita reproduzissem notas mais enfáticas, claras e destacadas, mesmo nos improvisos mais velozes -- uma técnica que influenciaria muitos pianistas da sua geração, tais como Chick Corea e, posteriormente, o fantástico Kenny Kirkland. Tyner é considerado um dos pianista mais influentes do post-bop, ao lado de Herbie Hancock: com a diferença que Hancock tinha uma predileção pelo funk e logo se enviesaria para a eletrônica e seus sintetizadores, enquanto Tyner se manteria fiel ao piano acústico e se revezaria entre as variabilidades desse post-bop e retornos ao straight-ahead mais purista. Nos anos 70, Mcoy Tyner adicionaria alguns elementos da world music em suas composições -- elementos advindos das tradições africanas, hindus e orientais -- e produziria alguns dos seus mais criativos álbuns. A começar por Extensions (Blue Note, 1973), com participação de Alice Coltrane e seus tons afro-asiáticos de harpa.


Lyle Mays (1953 – 2020): pianista e tecladista que ficou conhecido por criar uma nova sonoridade dentro da banda de jazz-fusion do guitarrista Pat Metheny, inovando esse subgênero do jazz através do seu inteligente design sonoro no uso minimalista de teclados e sintetizadores -- ainda que algumas vezes suas sonoridades pendessem um pouco para uma estética mais comercial, mais "new age", muitas vezes rotulado como "crossover". Enquanto pianista acústico, trazia uma sensibilidade com ecos em Bill Evans. Enquanto tecladista, Mays tinha um tino aguçado para o design sonoro eletrônico e inovou no uso dos sintetizadores da Oberheim e da Sequential Cirtuits (mais preponderantemente o Prophet-5), e também colaborou com as fabricantes Kurzweil e Korg no desenvolvimento novos protótipos. Também era fascinado por inspirações em sons da natureza e era fã de Milton Nascimento e da música brasileira. O álbum homônimo Lyle Mays (Geffen, 1986) é altamente indicado para entender sua estética.


Jimmy Heath (1926 – 2020): pai do percussionista James Mtume, irmão do contrabaixista Percy Heath e do baterista Albert Heath, herói do bebop, ele foi apelidado de Little Bird nos anos 40 por sua técnica apurada que lembrava os fraseios do altoísta Charlie Parker, algo que o incomodou e o fez trocar o saxofone alto pelo saxofone tenor. No final dos anos 40, Jimmy Heath chegou a liderar uma big band que teve vários colaboradores ilustres, incluindo John Coltrane, Benny Golson, Johnny Coles, Ray Bryant, Nelson Boyd, Max Roach e o próprio Charlie Parker: a banda chegou a figurar como sensação em Nova Iorque e Filadélfia, mas infelizmente não durou e não deixou gravações. Nos anos 50 sua carreira foi interrompida por seus sucessivos problemas com o vício e tráfico de heroína, algo que lhe fez cumprir seis anos de prisão, onde venceu o vício e ficou limpo. Sua carreira só teve uma guinada mesmo nos anos 60. E nos anos 70 ele funda com seus irmãos a legendária banda The Heath Brothers, uma das pratas da Columbia Records. Considerado um dos veteranos mais carismáticos do jazz, Jimmy Heath trafegou do hard bop ao jazz-funk, com recorrentes passagens pelo post-bop e retornos regulares às convenções mais puristas do straigt-ahead. O álbum Triple Threat (Riverside, 1962) é um bom testemunho da sua retomada de carreira nos anos 60.


James Mtume (1946 – 2022): requisitado produtor, célebre compositor de singles e hits de sucesso, um dos grandes percussionistas dos anos 70, filho do sax-tenorista Jimmy Heath (que mencionamos acima), esse grande artista começou sua carreira na cult gravadora independente Strata-East e foi presença marcante nos shows e discos de jazz-fusion de Miles Davis entre 1971 e 1975, depois fundando sua própria banda de R'n'B, com a qual produziu uma sequência de singles marcantes no final dos anos 70 e durante os anos 80. James Mtume -- ou Mtume Umoja, seu nome adotivo -- está presente em pelo menos sete dos álbuns de jazz fusion mais experimentais de Miles Davis, além de ter participado de álbuns de Gato Barbieri, Art Farmer, Jimmy Heath, Eddie Henderson, Lonnie Liston Smith, dentre tantos outros. O seu cult álbum Land of the Blacks (Strata-East, 1972) é o registro que indico para começar a conhecê-lo.


Ginger Baker (1939 – 2019): um dos bateristas de beats mais marcantes da sua geração -- com admiradores tanto no rock'n'roll quanto no jazz --, icônico baterista da banda de rock Cream nos anos 60 -- um power-trio com o contrabaixista Jack Bruce e o guitarrista Eric Clapton --, ele também colaborou na banda Blind Faith, e nos anos 70, influenciado pelo jazz, formaria a banda Ginger Baker's Air Force. Aficionado pelas sonoridades da world music, nos anos 70 ele manteria residência na África e se tornaria presença constante na banda de afro-beat de Fela Kuti. A partir da década de 80, sua aproximação com o jazz se tornaria ainda mais constante, tendo gravado diversos álbuns expressivos ao lado de nomes como Bill Laswell, Bill Frisell e James Carter, dentre outros. Este álbum abaixo, Going Back Home (Atlantic, 1994), com o guitarrista Bill Frisell e o contrabaixista Charlie Haden, evoca seus tempos de power-trio (com o Cream nos anos 60) e é um dos seus melhores registros de jazz.


André Previn (1929 – 2019): poliglota musical alemão, inicialmente radicado no West Coast dos EUA, André Previn nutriu uma proveitosa carreira em três frentes: pianista de jazz, compositor e arranjador de trilhas sonoras e maestro de música erudita. Como pianista de jazz, ele foi um exímio acompanhador, intérprete e leader no formato piano-trio, se concentrando na faceta de intérprete de standards e canções do songbook americano, sempre numa linha entre o swing, bebop e cool jazz. Como maestro, ele foi um dos maiores de todos os tempos: tendo muitas ótimas gravações em seu nome e sendo o principal responsável, por exemplo, em reavivar a London Symphony Orchestra nos anos 70, entre outras façanhas. King Size (Contemporary Records, 1959) é o álbum que indico para se conhecer seus dotes jazzísticos.


Joseph Jarman (1937 – 2019): nome seminal para o free jazz de Chicago, fundador da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians) e fundador do icônico Art Ensemble of Chicago. Por décadas, Joseph Jarman representou a face mais enérgica do free jazz imbuído de world music, espiritualidades e artes performáticas. Da seleta pessoal do saxofonista, indico o enérgico álbum Song For, seu debut gravado pela Delmark em 1966 -- e que já é, na verdade, o debute do próprio Art Ensemble of Chicago, que dalí para frente teria seu nome formalizado em todas as capas dos álbuns do grupo.


Roy Hargrove (1969 – 2018): ele foi um dos trompetistas mais talentosos e inspirados da geração "young lions", contribuindo enormemente para estabelecer o frescor do neo-bop, post-bop, straight-ahead e jazz-funk no final dos anos 80 e anos 90. Nos anos 2000, ele foi um dos ases do coletivo neo-soul Soulquarians -- junto com J Dilla, Questlove, Erika Badu, Common e companhia --, vindo a fundar a icônica banda RH Factor com a qual fundiu jazz-funk, neo-soul, gospel, pop, hip hop, freestyle e elementos da eletrônica, gravando três excelentes álbuns com esse grupo. De forma assustadoramente contemporânea, Hargrove mostrou que o neo-soul, o hip hop, a eletrônica e seus correlatos estão mais ligados com as tradições do jazz e do blues do que poderíamos imaginar. Indico, para começar, o excelente álbum The Vibe (BMG Music, 1992). Faleceu precocemente aos 49 anos.


Randy Weston (1926 – 2018): pianista, precursor do subgênero world-fusion, chamado de "America's African Musical Ambassador", ele foi o principal músico a inovar o jazz com inúmeros elementos advindos dos ritmos, melodias e elementos culturais africanos. Sua premissa era mostrar, através das suas composições e releituras, uma latente conexão do blues e do jazz moderno com a ancestralidade da Mãe Africa, uma diretriz que rendeu algumas das mais instigantes e criativas fusões sonoras da história desse gênero. Seu álbum orquestral Uhuru Afrika (Roulette, 1960) é um ponto de partida. 


Cecil Taylor (1929 – 2018): ele já era um pianista inovador pré-vanguarda mesmo antes de Ornette Coleman bagunçar o coreto, estabelecendo as bases do free jazz. Seu álbum Jazz Advance (Transition, 1957), gravado em 1956, já evidenciava curiosas desconstruções melódico-harmônicas e já prenunciava que o jazz moderno caminhava inevitavelmente de encontro ao avant-garde. Contudo, o fato dele tocar um instrumento harmônico e precisar se enquadrar nas regras das bandas e de muitos dos clubes de jazz fez com que seu desenvolvimento fosse mais lento, com seu estilo de dedilhado percussivo -- praticamente com sucessivos "martellatos" sobre as teclas do piano, em desconstruções melódico-harmônicas indescritíveis -- se tornando libertário mais gradativamente, só atingindo maior liberdade revolucionária em meados dos anos 60, sobretudo depois da sua turnê pela Europa. O álbum Unit Structures (Blue Note, 1966) traz uma banda expansiva com o uso inédito de dois contrabaixos (só experimentado anteriormente por Charles Mingus) e já evidencia uma free music incendiária. Precursor e pioneiro do free jazz, Cecil Taylor ainda elevaria o piano para patamares expressivos e performáticos nunca dantes visto. Apesar de oscilar entre fases com agenda lotada e fases de crise financeira, Cecil Taylor foi um performer sempre muito requisitado até o fim da sua vida, tendo influenciado sobremaneira o cenário da livre improvisação europeia.


Geri Allen (1957 – 2017): com um estilo próprio moldado por suas incursões pelas estéticas do m-base, free jazz e post-bop, ela foi uma das pianistas mais originais da história do jazz. Ela foi uma síntese do jazz contemporâneo nos anos 80, 90 e 2000. Suas inflexões mostraram não apenas uma versatilidade assustadora em transitar tanto pelas trilhas estruturadas quanto pelas linhas disformes do jazz contemporâneo, mas principalmente um espírito inventivo e idiossincrático para criar música nova. Seus conceitos harmônicos eram avançados: suas harmonias, sempre bem sombreadas com belas dissonâncias entre curiosas consonâncias, só podem ser comparadas às sofisticações harmônicas estabelecidas por pianistas como Thelonious Monk, Herbie Nichols, Andrew Hill e Cecil Taylor. Twylight (Minor Music, 1989) é um registro que pode ser um ponto de partida.


Didier Lockwood (1956 – 2018): violinista francês, um dos modernizadores das abordagens do violino no jazz, ele também foi um dos desbravadores do violino elétrico, ganhando notoriedade nos anos 70 com a banda de rock progressivo e jazz-fusion Magma. Suas explorações sonoras dentro da estética mais fusionista incluem sonoridades pop e sintéticas com os mais variados sintetizadores e os mais variados tipos de violinos elétricos. Foi um dos maiores nomes do jazz-fusion nas décadas de 70, 80 e 90, retornando às abordagens mais tradicionais e ao violino acústico a partir dos anos 2000. O álbum Caron/Ecay/Lockwood (JMS, 1992) é uma boa pedida.


Sunny Murray (1936 – 2017): pioneiro do free jazz, ele foi muito importante -- talvez o principal dos libertários da bateria dos anos 60 -- por conferir ao drum set uma ainda maior liberdade quanto às amarras rítmicas dantes convencionadas. Suas atuações legendárias como baterista acompanhador incluem participações em bandas de Jimmy Lyons, Cecil Taylor e Albert Ayler, além da sua carreira como leader. Seu estilo envolvia uma técnica de ataques arrítmicos e irregulares entre caixa, tambores e pratos cintilantes, algo como o efeito sonoro de estilhaços de vidros ou uma chuva de granizo sobre o telhado, dando a impressão de estarmos ouvindo duas ou mais baterias. Sua abordagem em criar ruídos e efeitos de pratos é emblemática. Esse seu estilo performático foi particularmente importante para dar a liberdade que Cecil Taylor e Albert Ayler procuravam no início dos anos 60. Este álbum abaixo, gravado ao vivo no Festival de Jazz de Willisau em 1980 -- com um trio formado com o saxofonista Jimmy Lyons e o contrabaixista John Lindberg -- é um dos registros que nos mostra seu estilo em sonoridades frescas e claras.


Curtis Fuller (1932 – 2021): pioneiro do trombone no hard bop e post-bop dos anos 50, 60 e 70, presença ilustre em bandas e discos de John Coltrane, Art Blakey, Count Basie, Woody Shaw, Kenny Dorham e inúmeros outros grandes músicos, Fuller é o trombonista mais prolífico e requisitado da sua geração. Nos anos 2000, após hiatos em praticamente boa parte dos anos 80 e 90 -- por complicações pulmonares que lhe ocasionaram a perda de um dos pulmões --, Fuller retorna aos estúdios e grava ótimos exemplos de straight-ahead jazz (um resgate mais purista do bebop, hard-bop e post-bop, sempre regado a blues e standards, com algum frescor contemporâneo). Sua força e determinação em manter sua música mesmo chegando entre as faixas dos 70 e 80 anos de idade, após a perda de um pulmão, foi notável. O álbum abaixo, Soul Trombone (Impulse!, 1961), é uma ótima amostra dos seus tempos de ouro no estilo do hard bop.


Mario Pavone (1940 – 2021): Mario Pavone é simplesmente um dos maiores e mais criativos contrabaixistas da história do jazz. Seu estilo é único, seu pizzicato é forte e o som do seu contrabaixo é particularmente encorpado e marcante. Presença constante no jazz criativo dos anos 70 e 80, a partir dos anos 90 Mario Pavone também se notabilizaria cada vez mais por suas ideias composicionais na forma pessoal como dominava os conceitos de estruturação das cadências livres em contrapontos ultra criativos, algo que o coloca como um dos precursores e pioneiros da estética do "modern creative" -- uma linhagem decorrente do free jazz mais adepta à estruturas composicionais elaboradas e fraseados mais elaborados (menos deixados ao acaso). Mario Pavone também foi um dos bandleaders mais inventivos do modern creative: seus formatos de banda e suas combinações instrumentais eram sempre inusuais e inventivas.


Henry Grimes (1935 – 2020): ele foi um dos marcantes contrabaixistas do final dos anos 50 e do início do avant-garde jazz, tendo tocado com Gerry Mulligan, Sonny Rollins, Cecil Taylor, Albert Ayler, Don Cherry, Frank Wright e outros. Porém, em meados dos anos 60, ele se muda de Nova Iorque para a Califórnia e some repentinamente da comunidade dos músicos, ficando sumido por quase três décadas, até um assistente social fanático por jazz tê-lo encontrado vivendo em um humilde apartamento em condições de quase indigência. Nos anos 2000, Henry Grimes é ajudado pela comunidade de músicos, ganha um contrabaixo de William Parker e retorna às apresentações e aos estúdios ao lado de nomes como Charles Gayle, Roy Campbell, Andrew Cirille, e vários outros grandes nomes do free jazz. Em 2018, ele encerra a carreira em decorrência de complicações de um Mal de Parkinson. Em 2020, Grimes falece em decorrência da COVID-19. O álbum abaixo, The Call (ESP-Disk, 1965), é seu único álbum como leader, mas a presença virtuosa e marcante do seu contrabaixo pode ser verificada em muitos grandes álbuns da segunda metade dos anos 50 e primeira metade dos anos 60, e em vários momentos e gravações incendiárias dos anos 2000 e 2010.