Faleceu, em 24 de setembro de 2022, o saxtenorista Pharoah Sanders, ícone da estética do spiritual jazz iniciada nos anos 60 junto a John Coltrane e Albert Ayler. Este podcast é, então, uma homenagem à arte desse grande músico de jazz que explorou as várias dimensões cósmicas dos sons sempre em busca de uma transcendente espiritualidade. Mas é preciso frisar, antes de mais nada, que não estamos falando aqui de espiritualidade em termos especificamente denominacionais ou religiosos. Estamos falando aqui da conexão do espírito humano com o divino, com uma sabedoria superior e com as transcendências do cosmo por meio da música. A música acalma e eleva o espírito. E a intenção desse tipo de música é conectar o espírito humano com o macrocosmo e o microcosmo por meio dos mistérios dimensionais, harmônicos e quântico dos sons. É verdade que essa estética de jazz começa quando Coltrane, em sua luta contra a bebida e as drogas, começa a estudar filosofias e religiões orientais, afros e hindus, usando elementos dessas inspirações em sua música. Mas também é verdade que Trane não renega suas origens advindas do gospel afro-americano -- de onde grande parte dos músicos de jazz vieram --, e não renega sua fé em Deus e no Evangelho em prol de alguma outra religião ou vice-versa, e nem prega nenhum tipo de conversão religiosa específica -- "...eu acredito em todas as religiões", é o que Trane dizia. As biografias evidenciam que Trane caminhava para uma busca onde a única verdade universal era que o homem precisava se conectar consigo mesmo, com o cosmo e com algum tipo de divindade que poderia ser, sem preconceitos ou imposições, Deus, Krishna, Maomé ou Buda: ele era tão fascinado em ler sobre as descobertas da astrologia e da física de Einstein quanto era fascinado em leituras da Bíblia, do Alcorão, da Kabbalah e de textos e livros como o The Gospel of Sri Ramakrishna, o Bhagavad Gita e a Autobiografia de um Iogue escrita por Paramahansa Yogananda. Buscar a sabedoria e a espiritualidade em seu sentido mais amplo e universal para se tornar uma pessoa melhor: essa era a essência de John Coltrane, uma essência que ele levou às pessoas por meio da sua mensagem musical, mensagem com a qual ele pretendia mudar o mundo à sua volta -- e conseguiu, dada a grande influência da sua arte musical e da veneração em torno da sua obra.
E Pharoah Sanders, juntamente com Alice Coltrane (esposa de Trane), foi um dos seus discípulos que mais adentraram e deram seguimento nas dimensões sonoras dessa busca regada a harmonias modais, free jazz, world music, blues, spirituals, ragas hindustanis e misteriosas sonoridades cósmicas. Albert Ayler, por sua vez, não ia muito além de uma certa espiritualidade primal e primitiva: a origem da sua espiritualidade estava mais centrada em sua infância na igreja, e seu tom ríspido e primitivo de sax tenor trazia fortemente a influência do fervor gospel para sua enérgica free music. Mas sua arte musical também não se centrava em uma religião específica e foi suficientemente poderosa para influenciar o próprio Coltrane nos anos 60. Ou seja: apesar das influências religiosas e filosóficas, é preciso frisar que as essências espirituais desses três músicos não estavam centradas em defender especificamente algum tipo de misticismo, religião ou doutrina, mas unicamente em conectar o espírito humano com a essência da vida, com o cosmo e com o divino que a mente humana não pode alcançar em sua superficial materialidade, mas que a revelação transcendente da arte da música pode alcançar e nos proporcionar por meio dos sons e suas propriedades. Ademais, veremos que a busca por essa essência espiritual também seria um apoio muito importante num momento em que a classe artística emitia, por meio das artes e da música, mensagens de paz, de amor, de humanidade e apoiava a luta pelos Direitos Civis -- isso numa época regada a racismos, Guerra do Vietnã e as ameaças nucleares da Guerra Fria. Neste podcast, pois, ouviremos não apenas a música desses três grandes sacerdotes do spiritual jazz, mas também a música dos seus influenciados e seguidores! Spiritual Jazz em contextos vários!
John Coltrane: do modal ao free jazz, a busca do amor supremo em Deus, uma espiritualidade transformadora
Pharoah Sanders: a expansão do spiritual jazz através das temáticas e sonoridades hindus, budistas, islâmicas
Albert Ayler: o free jazz com fervor gospel, sonoridade rústica, gritante e crua, uma espiritualidade primitivista
Lonnie Liston Smith: "cosmic funk" & "spiritual sounds", a spiritual music no contexto do soul jazz e jazz-funk
Alice Coltrane: o mantra sonoro da harpa, as ragas hindustanis e a busca por arranjos e sons transcendentais
Seguidores do spiritual jazz - 70's & 80's: Maurice McIntyre, Kahil El'Zabar, Wadada Leo Smith & Azar Lawrence
Seguidores do spiritual jazz - 90's & 2000's: free jazz revival com Charles Gayle, Matthew Shipp & David S. Ware
Seguidores do spiritual jazz - 2010's: o jazz contemporâneo de Kamasi Washington, a eletrônica de Flying Lotus
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