BJÖRK |
As cordas vocais também é um instrumento de inflexões e experimentações e aqui neste post quero destacar uma série de vocalistas que estão dando abordagens inusuais para a voz (cantada, falada, improvisada, grunhida em ruídos...e etc), trazendo-lhes alguns dos seus mais recentes álbuns lançados entre 2020 e 2022. O formato da canção popular —— proveniente da cantiga, da voz cantada em rimas palatáveis, versada em métricas remanescentes dos arcadismos populares —— não é uma sina que buscamos aqui no blog, simplesmente pelo fato da grande mídia já veicular massivamente —— secularmente, e desde sempre —— as variabilidades desse formato e seus grandes artistas em todos os locais e canais possíveis e imagináveis: em todos shows, eventos e bares, em todos os jornais, revistas, canais de rádio, TVs, sites, portais, canais do YouTube, redes sociais e etc. Mas sempre será uma sina nossa, aqui no blog, investigar como alguns grandes vocalistas do nosso tempo estão dando abordagens instrumentais hiper criativas para a voz, partindo desde a composição de canções em métricas inusuais acompanhadas por arranjos instrumentais incomuns até o uso improvisativo da fonética com sílabas glossolálicas, e partindo também desde o canto erudito contemporâneo até os sons vocais imergidos dentro das estéticas da livre improvisação e da noise music —— ou seja, nossa sina é investigar a voz no seu mais identificável uso incomum aos seus extremos criativos mais experimentais. E ainda que o formato canção seja um antro de padronizações e oralidades viciosas que são massificadas comercialmente parar dar lucro, essa nossa busca independe de gênero e aqui englobará, também, as excelçoes que existem dentro da própria estética da música pop. Pessoalmente, admiro muito como que na época das décadas de 1960 e 1970, por exemplo, a música popular brasileira revelou alguns dos cancionistas mais experimentais e ousados da nossa história: falo de Caetano Veloso, Tom Zé, Milton Nascimento...Flora Purim...e muitos outros que criaram novas abordagens explorando vocalises, recursos silábicos, onomatopeicos e fonéticos, improvisos e até recursos experimentais provenientes das oralidades da arte moderna e da poesia concreta, conferindo à música brasileira um surto criativo raramente repetido até então.
Nos anos de 1910, a música erudita alemã já começava a revelar um uso mais incomum para o canto operístico quando Schoenberg, por exemplo, estreou sua peça Pierrot Lunaire, evidenciando uma nova abordagem chamada sprechstimme, técnica onde as entonações do vocalista transitam no limiar entre o canto e a poesia falada. Essa abordagem do "canto falado" seria ainda expandida pelas abordagens da parceria do compositor Kurt Weill com o poeta e dramaturgo Bertolt Brecht em peças que instituem o moderno "teatro musical", já presente na A Ópera dos Três Vinténs —— lembrando que Weill, ao se mudar para os EUA, também seria um prolífico compositor de canções para o Teatro da Broadway, com muito dos seus temas sendo incorporados no songbook do jazz. O uso da voz no jazz e na música popular americana também já vinha revelando suas particularidades mais incomuns: músicos e compositores de jazz já exploravam, desde os anos de 1930, vocalises exóticos e várias formas vocais peculiares, indo do canto gospel-accapella ao scat singing mais improvisado, com sílabas e sons onomatopeicos que imitavam os fraseados dos pianistas, trompetistas e saxofonistas; ao passo em que mais adiante as canções pop de Stevie Wonder e Michael Jackson, por exemplo, também apresentaram métricas e arranjos inovadores dentro das suas propostas —— métricas e arranjos que, inclusive, deram formas definitivas às estéticas cancionistas da soul e da pop music americana, gerando novas padronizações para os artistas e bandas subsequentes. E no universo da música pop das últimas décadas, as abordagens vocais incomuns vistas nas canções da cantora islandesa Björk e nas explorações do canto inuit-esquimó da cantora canadense Tanya Tagaq são dois exemplos instigantes. É lógico que os arranjos e exotismos métricos em torno das canções e outras formas vocais, bem como a pré-disposição para um cantor ou compositor trabalhar formas vocais inusuais, dependem muito do meio cultural e dos recursos linguísticos aos quais o tal cantor ou o tal compositor está submetido: vocalistas ligados, por exemplo, às línguas hindus, inuit (dos esquimós do Canadá e Groelândia) e fino-úgricas (da Hungria, Finlândia, Rússia, países do Norte e Leste Europeu) já têm uma natural pré-disposição para intrincâncias e entonações vocais inusuais que vão do canto de garganta às inflexões dos cânticos montanheses, passando pelo canto carnático indiano "konnakol", onde se tem uma intrincada "percussão vocal" acompanhada por tablas —— algo que para nós, do Ocidente, já soa exótico e incomum. Contudo, mesmo nos países ocidentais onde as padronizações do mercado fonográfico tendem a moldar mais insistentemente a canção popular —— como nos EUA e no Brasil, por exemplo ——, vemos vocalistas deixando de lado o lucro fácil da canção pop padronizada e ampliando seus leques de abordagens vocais para fora da curva dos estigmas mercadológicos. Abaixo, vos deixo alguns exemplos. Clique nos álbuns para ouvi-los!
Mariá Portugal - Erosão (RISCO/ Tratore, 2021). Meses atrás, ouvindo o programa de rádio do compositor Arrigo Barnabé, tive um prazeroso contato auditivo com esse trabalho incrível de Mariá Portugal, que foi convidada ao programa justamente para falar do projeto. Mariá Portugal é uma improviser, baterista, produtora, experimentalista, compositora e cantora brasileira radicada na Alemanha, mas que mantém retornos regulares a São Paulo, onde também mantém projetos com a banda Quartabê. Suas influências, para além das suas particulares idiossincrasias, incluem nomes que vão de Elza Soares a Arrigo Barnabé, passando por Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Itamar Assumpção, e englobando nomes da nova geração da MPB tais como Negro Leo, Iara Rennó, Kiko Dinucci e Maria Beraldo —— com alguns dos quais destes citados, inclusive, ela mesmo já colaborou em shows e gravações. No período do auge da COVID-19, Mariá Portugal teve a ideia de gestar um novo projeto que lhe daria um novo fôlego criativo em meio à distopia pandêmica, projeto ao qual ela daria o nome de EROSÂO. O projeto é composto por três elementos principais: canções, improvisações livres com instrumentos acústicos e manipulação eletrônica. Mariá conta que já tinha no forno algumas canções para as quais desde 2019 já vinham dando tratativas instrumentais e experimentais junto a músicos, grupos e bandas da prolífica cena underground de São Paulo —— Metá Metá, Música de Selvagem, Quarteto Solto, Quartabê, e etc —— e, voltando para a Alemanha, decide maturar o projeto no 13th Improviser in Residence de Moers, posteriormente decidindo experimentar um novo processo criativo de manipulação eletrônica com essas canções previamente gravadas. Mariá Portugal ainda incluiria outras faixas com vocais seus e do cantor Tó Brandileone (5 a Seco), além de uma miríade de livres improvisos, excertos e colagens que vão de sons de pássaros e objetos a sons manipulados eletronicamente, criando uma obra cheia de detalhes onde as composições só foram finalizadas em álbum após um longo processo criativo que se deu por work in progress, fases e camadas. Erosão é, pois, um resultado de um processo de canções incomuns, de entrelace de ideias, oralidades, sinuosidades, livres improvisações e manipulações eletrônicas que o ouvinte adepto à música exploratória não pode perder!
Björk - Fossora (One Little Independent Records, 2022). A obra da cantora islandesa Björk é um marco sem precedentes na história mais recente da música contemporânea: as entonações e experimentações vocais (com colaboração de vários vocalistas criativos de diferentes ramos da música), a profundidade das letras e temáticas e os incomuns arranjos instrumentais e eletrônicos (convidando diversos instrumentistas talentosos para gravar seus álbuns) são não menos que inovadores! Quando Björk anuncia que lançará um novo álbum, já sabemos —— e esperamos ansiosos pelo disco (!) —— que o material resultante será hiper criativo e moldado por inteligentíssimas escolhas não convencionais. E para este álbum recém-lançado, Fossora, a cantora continua a mostrar uma autossuficiência criativa impressionante, mesmo mediante a pandemia: ela que esteve reclusa em um nova fase pessoal de mãe mais próxima à familia, de mulher madura em autoafirmação, de luto (pela morte recente de sua mãe) e de isolamento pandêmico em seu gélido habitat natural na Islândia. Fases complicadas à parte, a criatividade da artista segue esmerilhante: aliás, sua obra tem mostrado que é justamente as agruras da vida, bem como a sua sofrida autoafirmação de uma mulher com olhares futuristas, que incendeiam seu ímpeto criativo disco a disco. Ou seja: Björk nos traz mais um registro superlativo de autobiografia musical, para o qual críticos, jornalistas de música e revisores apaixonados tecerão as mais detalhistas análises e os mais efusivos elogios. A curiosidade que nos resta, quando Björk anuncia um novo tento, é apenas saber quais as novas ideias instrumentais e experimentos eletrônicos a cantora adicionará em sua já reconhecida miríade de amálgamas hiper criativas. Para o álbum Fossora Björk traz contribuições da cantora americana Serpentwithfeet, do coral de vozes Hamrahlíðarkórinn, do cantor e manipulador de eletrônicos Pablo Díaz-Reixa (aka El Guincho), dos beats eletrônicos de Gameleon Gabber, dos vocais dos seus dois filhos (Sindri e Ísadóra), do sexteto de clarinetes Murmuri e de uma série de arranjos com conjuntos de cordas, flautas, trombones e etc. Björk afirma, contudo, que este é um álbum feito para vozes, clarinetes e clarones! Lembrando que há poucos dias, a cantora passou pelo Brasil dando ênfase em sua turnê mundial chamada Björk Orkestral, sendo acompanhada pela Orquestra Bachiana Filarmônica, regida pelo maestro João Carlos Martins. Álbum fantástico! Mais um dela!
Tanya Tagaq Tongues - North Star Remixes (Six Shooter Records, 2022). A cantora canadense Tanya Tagaq —— da qual já falamos aqui algumas vezes e que, aliás, já colaborou com Björk —— é a representante maior do canto de garganta inuit e das inflexões vocais em torno da cultura musical dos povos indígenas do Norte, também chamados popularmente de esquimós. A técnica do canto de garganta dos esquimós é algo que surpreende: a prática se dá como um jogo com duas vocalistas (geralmente mulheres) emitindo sons de canto e garganta, com suas bocas bem próximas uma da outra, algo que resulta em ressonâncias vocais multifônicas e efeitos guturais dos mais impressionantes, geralmente com sons inspirados pelo vento, pela água, pelas geleiras e pelas próprias características linguísticas e culturais desses povos que vivem mais próximos ao Ártico. E Tanya Tagaq —— muitas das vezes rotulada como uma artista do subgênero "avant-pop" —— é uma das responsáveis por trazer esse tipo de cultura vocal para os territórios da música pop, munindo-se também de uma criativa paleta composta por inspirações advindas de gêneros como a eletrônica, industrial, música experimental, avant-garde e música erudita contemporânea. No álbum acima, temos algumas faixas previamente gravadas por Tanya Tagaq em seu álbum Tongues (Six Shooter Records, 2021) sendo remixadas —— arranjadas, reeditadas, retrabalhadas, manipuladas —— por uma série de artistas, bandas e produtores tais como Daedelus, Kronos Quartet, Ash Koosha, The Halluci Nation, pela compositora Paola Prestini (que cria uma releitura para a New Century Chamber Orchestra), e outros. O álbum foi produzido pelo criativo rapper e poeta americano Saul Williams e coproduzido pelo cantor e DJ Gonjasufi. Aqui temos vozes e canto inuit sendo inseridos nos mais variados contextos!
Amirtha Kidambi & Lea Bertucci - Phase Eclipse (Astral Spirits, 2021). A vocalista, performer, professora e curadora Amirtha Kidambi é muito ativa na promoção da voz como instrumento inflexivo e experimental, investigando abordagens vocais experimentais tanto no campo da música improvisada freejazzística —— em colaborações com trompetistas, saxofonistas, manipuladores eletrônicos e outros instrumentistas adeptos às linhas criativas da AACM, por exemplo —— quanto no campo da música erudita contemporânea, passando também pelos territórios da música carnática e das abordagens experimentais da música indiana. No álbum acima, Amirtha Kidambi documenta pela segunda vez sua frutífera parceria com a artista sonora Lea Bertucci, que é conhecida por explorar uma série de instrumentos de sopro de forma não convencional e investiga fenômenos acústicos, ressonância biológica, uso experimental de alto-falantes e microfones em multicanais, métodos radicais de improvisação livre e usos experimentais da tecnologia de áudio aplicada à gravação de campo, além de técnicas de amostragens e colagens. No álbum acima, um relançamento do início de 2021 pela Astral Spirits, temos faixas tanto com improvisações vocais abstratas manipuladas eletronicamente junto a ruídos e extratos ressonantes, como também temos faixas onde o canto surge mais delineável, rítmico e palatável, mas quase sempre com fundos sonoros ruidosos e intervenções experimentais contrastantes. Na verdade, o álbum Phase Eclipse fora lançado em 2019, mas esse relançamento de 2021 se dá agora com a inclusão de um remix do DJ e manipulador de eletrônicos Jace Clayton sobre a peça "Under the Influence". Antes, Amirtha e Lea já haviam lançado o EP End of Softness (Astral Spirits, 2020), com interações mais curtas em torno de 2 a 3 minutos.
Lucrecia Dalt - ¡Ay! (RVNG, 2022). A musicista colombiana Lucrecia Dalt, especializada em manipulações de eletrônicos, lança no registro acima um curioso álbum de canções e vocais melodiosos, sendo esse mais um espécime sonoro seu que suscita os mais analíticos olhares auditivos. Não que a audição seja de assimilação muito complicada —— afinal, trata-se de um álbum de canções em usuais métricas latinas ——, mas é que o conceito do álbum como um todo, amplificado pelas misturas de arranjos instrumentais com singulares efeitos eletrônicos, coloca o canto numa abordagem não convencional e nos arrasta inevitavelmente para o universo particular da artista, que é repleto de latinidade, ludismos, lembranças da Colômbia e fantasias que misturam ecos da realidade com um certo futurismo sci-fi. Lucrecia Dalt já vinha de uma concepção sonora um tanto "space-age", mas uma concepção intrigante, hiper diferente, que misturava seu fascínio pela física, cosmologia e geologia com seu apreço pelo enxerto mais conceitual da poesia falada dentro das suas amostragens eletrônicas: vide, por exemplo, o álbum Anticlines (RVNG, 2018), onde seus sons eletrônicos claustrofóbicos se inspiram nas temáticas das cavernas, formações geológicas (anticlinais), meteoros e a lenda do El Boraro da Amazônia colombiana. Já neste seu último lançamento, ¡Ay! (RVNG, 2022), Dalt mantém certos ecos daquelas sonoridades eletrônicas claustrofóbicas as quais até emanam uma certa organicidade ligada à poética geológica de pertencimento à terra enquanto local físico, mas usando agora a oralidade mais simples e direta do formato canção para ratificar suas origens e se autoafirmar como a artista colombiana que se radicou na Alemanha e agora ganha o mundo através da arte do sound design. Ao todo são 10 faixas, dentre as quais as canções são emolduradas por esse intrigante design eletrônico já descrito mais a adição de arranjos com sopros, flauta, clarinete, trompete, percussões afro-latinas e contrabaixo, também evocando ecos eruditos e jazzísticos dentro dessa latinidade sci-fi. As letras das canções centram-se na temática de uma fantasia cosmológica onde uma personagem extraterrestre chamada Preta desembarca no planeta Terra e aqui experimenta suas primeiras sensações de amor, temporalidade e corporificação.
Rodrigo Bragança & Tarita de Souza - Improvisions I: Sand Castles (Tratore, 2022).
Este álbum de improvisações vocais explicita um impressionismo abstrato hiper-criativo e traz uma profundidade harmônica fora de série! Indiquei este álbum de Tarita de Souza e Roberto Bragança recentemente, no início de 2022, em nosso espaço de lançamentos da música instrumental brasileira, e aqui neste post mais temático reafirmo mais uma vez seu brilhantismo e criatividade! Na ocasião, escrevi: "Tarita de Souza lembra um pouco —— e expande! até, conceitualmente —— a abordagem da instrumentalização da voz iniciada nos anos 70 com a legendária vocalista Flora Purim, trazendo esse vértice da voz para o campo da improvisação livre interseccionado com efeitos elétricos e eletrônicos. O título "Improvisions 1: Sand Castles" se remete à junção dos conceitos de "improvisação" e "visão" ou "imagens", que é uma sinestesia que o duo busca em suas construções sonoras em tempo real: criar imagens sonoras através desses sons livremente improvisados com voz, efeitos de guitarra elétrica e eletrônica". Ademais, Tarita de Souza também segue lançando outros registros onde atua mais no formato canção, mas sempre com parcerias e arranjos requintados que incluem instrumentações e acompanhamentos de nomes como André Mehmari (piano, teclas, eletrônicos), Arrigo Barnabé (piano, composição, arranjos), Caíto Marcondes (percussões), entre outros nomes da música criativa brasileira. Sensacional!
Charmaine Lee - KNVF (Erratum Musical, 2021). A própria capa repleta de deformações faciais deste álbum acima, lançado em 2021 pela experimentalista vocal Charmaine Lee, já nos dá o tom da encrenca outsider com a qual o ouvinte mais desavisado pode se deparar. O fato é que a vocalista australiana, radicada em Nova York, já nos apresenta aqui improvisações vocais para gostos mais específicos: suas abordagens —— requisitadas em palcos da cena underground e em museus de arte moderna e contemporânea tais como ISSUE Project Room, The Kitchen, Roulette, The Poetry Project e MoMA PS1 —— se dão especificamente no campo experimental dos ruídos e das técnicas vocais estendidas em interações com instrumentos e/ou eletrônicos mais rústicos. Charmaine Lee também é dona de uma abordagem um tanto particular no uso criativo de microfonias e captações direcionadas para distorcer a voz e os ruídos vocais: ela usa microfones de fidelidades variadas, microfones de contato colocados na garganta, sons vocais com pentes de cabelo sendo amplificados para criar ruídos polifônicos e um diálogo entre os sons internos e os sons externos do corpo. Entre suas parcerias com improvisadores ligados ao jazz e à música improvisada estão o trompetista Nate Wooley, a manipuladora de laptop Ikue Mori, o manipulador Sam Pluta e o baterista Tyshawn Sorey, além de manter parcerias e colaborações contínuas com instrumentistas interdisciplinares e compositores tais como Conrad Tao, Victoria Shen, Zach Rowden e Eric Wubbels. O álbum acima, KNVF (Erratum, 2021), documenta uma evolução de detalhes experimentais que a vocalista já vinha explorando em seus estudos anteriores registrados no álbum Ggggg (Anticausal Systems, 2018): trata-se de uma abordagem onde a vocalista trabalha mais com sons "não-musicais" da voz —— sons da respiração, chiados, grunhidos, murmúrios, estalos de língua, uso da saliva para produzir ruídos e etc.... —— e dá menos ênfase para os sons vocais melódicos.
Ekmeles - A Howl, That Was Also a Prayer (News Focus Recordings, 2020). Aqui já temos um sexteto de vocalistas que trabalha, sim, com algumas abordagens experimentais e ruidosas da voz as quais já mencionamos acima, mas já o faz num caráter composicional mais erudito, hibridificando o antigo com o moderno e o contemporâneo —— trazendo ecos, por exemplo, das experimentações vocais iniciadas pelo legendário compositor italiano Luciano Berio e de algumas evocações sacras ao estilo de Arvo Pärt, mas com muitos enxertos de ruidosidade vocais estendidas. O sexteto vocal Ekmeles, de Nova York, tem no registro acima, "A Howl, That Was Also a Prayer", um debut marcado por três extensas peças para vozes escritas e elaboradas por compositores contemporâneos que vêem, justamente, uma paleta mais ampla para a voz dentro da composição erudita do século 21: a peça "Motorman Sextet" elaborada por Taylor Brook, a peça "Three Scenes from Sleep" elaborada por Erin Gee e a peça "End Words" elaborada por Christopher Trapani. Nessas peças, o sexteto trabalha com as mais variadas possibilidades vocais, indo do bel canto às técnicas estendidas, da poesia falada aos ruídos "não-musicais" produzidos pela boca, do canto melodioso às técnicas vocais microtonais. A peça "Motorman Sextet" de Taylor Brook, por exemplo, explora os limites da escrita microtonal para vozes sem acompanhamentos de instrumentos, misturando inflexões faladas e cantadas em efeitos até um tanto humorísticos. Já "End Words", de Christopher Trapani, é uma peça onde o canto em suas formas mais antigas e sacras se encontram com as mais modernas formas de expressão, incluindo efeitos eletrônicos onde as vozes são combinadas eletronicamente com outras partes vocais previamente gravadas, recebendo também um acabamento com alguns mínimos extratos de instrumentos de cordas e percussão. E a peça "Three Scenes from Sleep", de Erin Gee, é composta de vinhetas sem palavras combinadas com curtos glitches, chiados, extratos vocais percussivos, assobios, estalar de língua e outros ruídos, também sendo um encontro do canto mais melódico com as expressões estendidas da voz.
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