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Ryūichi Sakamoto em 10 Facetas: um gênio na vanguarda do pop, fundador da eletrônica contemporânea, inovador da música minimalista, compositor cosmopolita de trilhas para cinema, videogames, música erudita contemporânea, etc

 
Em 28 de março de 2023, falecia em Tóquio, Japão, esse grande artista que alcançou uma amplitude multigêneros poucas vezes presenciada entre esses dois últimos séculos de música moderna e contemporânea. Não obstante ter lançado trabalhos revolucionários com a Yellow Magic Orchestra, grupo que representou uma evolução inconteste do synth-pop rumo às sonoridades da eletrônica digital e rumo ao novo electro-dance, Ryūichi Sakamoto também passaria a lançar um conjunto de projetos e álbuns solo que seria a pedra de toque na concepção dessa nova música eletrônica que influenciaria praticamente todos os gêneros musicais a surgir da explosão do pop oitentista. Aliás, se o Kraftwerk é considerado pela crítica tão ou mais influente que os Beatles por praticamente ter fundado, no início dos anos 70, o gênero da música eletrônica com seu synth-pop de sonoridade analógica e robótica, podemos considerar que os japoneses da Yellow Magic Orchestra já surgem em 1978 para justamente fundar a nova base de instrumentação da música pop, do hip hop e da vindoura techno dance através dessa transição revolucionária do analógico para o digital proporcionada pelos mais novos instrumentos digitais inventados no seio da avançada tecnologia japonesa. Ryūichi Sakamoto, então, não apenas dará o polimento final nessa transição como também avançará ainda mais adiante rumo a uma sofisticação sem precedentes na arte do sound design. O fato é que, uma vez que suas criações revolucionárias atingem um status elevadíssimo com inovações eletrônicas que soavam muito à frente do seu tempo, nos anos 90 os próximos passos dessa sua busca já o levariam, enfim, numa direção cada vez mais minimalista: Sakamoto sai, gradativamente, de uma eletrônica de batidas intrincadas e frenéticas —— que mesmo já no início dos anos 80 prenunciaram estilos como techno, glitch e IDM (Intelligent dance music) —— para uma estética "ambient" com ambiências e texturas minimalistas polidas por um ultrassofisticado design sonoro, muitas das vezes combinadas com toques cristalinos de piano acústico. Paralelamente, seu tino composicional aguçado também o levaria ao campo da música sinfônica, e o levaria a ser um dos maiores compositores de trilhas sonoras dos últimos tempos, compondo música para seriados de TV, animes, videogames, documentários, performances, instalações de arte, eventos esportivos e grandes produções cinematográficas dirigidas por cineastas icônicos como Bernardo Bertolucci, Brian de Palma, Alejandro Iñárritu, Pedro Almodóvar, Nagisa Oshima, Jun Ichikawa, dentre outros. Ryūichi Sakamoto ainda foi ator, produtor e um aplicado etnomusicologista, tendo trazido para sua música diversas influências da world music, incorporando elementos das músicas tradicionais japonesas e asiáticas, da música africana, do jazz e da música brasileira. Se transformando num dos artistas mais ecléticos e prolíficos da sua geração, Sakamoto praticamente transcendeu todos os limites estéticos e geográficos da música contemporânea a nível mundial. Abaixo, numa homenagem a esse mestre que ajudou a esculpir o futuro da música contemporânea, organizo uma boa parte dos títulos da sua discografia a partir das 10 facetas que o transformaram nesse artista inovador e universal! Vida longa ao legado de Sakamoto! Clique nos álbuns ouví-los e saber mais!


Álbuns instrumentais que revolucionaram a música eletrônica e vários gêneros da pop music 
Nestes nove álbuns instrumentais abaixo, Ryūichi Sakamoto sedimenta boa parte das inovações que deram novos rumos para a eletrônica, praticamente dando um salto evolutivo da dance music post-disco ainda analógica para a eletrônica contemporânea marcada pelas inovações digitais. Sakamoto parte de um synth-pop setentista pré-MIDI —— lembrando que MIDI seria a principal interface computadorizada a integrar e combinar vários eletrônicos em simultâneo —— para praticamente dar luz ou influenciar novos gêneros e subgêneros tais como o j-pop, o new wave, o electro-dance, o post-disco, o post-punk, a própria pop music (tendo ele colaborado, por exemplo, com artistas como Madonna e Cindy Lauper), o techno dance, a house music e até o hip hop, posteriormente indo em direção da ambient music mais conceitual marcada por um sound design ainda mais futurista. O álbum Thousand Knives (Nippon Columbia, 1978) é um ponto de partida: esse registro experimental traz uma profundidade de inspirações e preferências pessoais de Sakamoto ——  piano acústico, música tradicional japonesa, o álbum de jazz Speak Like a Child (1968) de Herbie Hancock, os poemas de Mao Tsé-Tung e o antigo hino da Revolução Cultural da China... ——, dentro de um conjunto de peças eletrônicas marcado por uma combinação inovadora de sintetizadores. O que Sakamoto faz é combinar exemplares da Moog (os portáteis Polymoog, Minimoog, Micromoog e o enorme modular Moog III-C interfaçado com o novo sequenciador Roland MC-8) com o ARP Odyssey, o polifônico Oberheim Eight Voices e os novos sintetizadores japoneses da Korg (o polifônico KORG PS-3100, o vocoder KORG VC-10 e o sequenciador KORG SQ-10), além da bateria eletrônica Syn-Drums. Tendo como programador Hideki Matsutake (parceiro de Sakamoto na Y.M.O), o álbum Thousand Knives é constantemente lembrando por —— além do uso dessa inteligente combinação de monofônicos, polifônicos e modulares americanos e japoneses —— ser o primeiro registro a usar a inovadora bateria eletrônica Syn-Drums e os novos microprocessadores KORG SQ-10 e Roland MC-8, os quais já permitiam manipular, criar novas sínteses e sequenciar as amostragens de uma forma que ninguém ainda havia pensado. O próximo lançamento seria o conceitual e ultra inovador B-2 Unit, que continua a usar essa programação futurista de Matsutake, mas ao invés de ser composto de canções ou temas palatáveis, a ideia de Sakamoto foi criar abstratas peças com efeitos e batidas eletrônicas somente a partir de edição de sínteses polirrítmicas manipuladas via sequenciadores, criando sincronias e assincronias ultra inovadoras e já bem à frente das novidades de então. Praticamente todos os artistas do pop, da techno music e do hip hop passaram a citar o álbum B-2 Unit como um dos registros mais inovadores a prenunciar os efeitos e as polirritmias eletrônicas que só seriam compreendidas muito posteriormente e que levariam ao surgimento das intrincadas estéticas do glitch e da IDM (Intelligent dance music) nos anos 90. Chega a ser surpreendente, pra não dizer assustadora, a precisão técnica com a qual Sakamoto consegue criar essas intricadas peças polirrítmicas sequenciando todas as sínteses, batidas e samples produzidos por essa parafernália de eletrônicos —— esses sintetizadores monofônicos, polifônicos e modulares, além da bateria eletrônica, dos vocoders e etc —— através de um rudimentar microprocessador como o MC-8 da Roland, que até era um dispositivo avançado (sim!), mas ainda carecia de um sofrível processo onde cada som e cada acorde precisava ser inserido manualmente antes do sequenciamento —— algo que ficou mais prático com o surgimento das interfaces MIDI logo em seguida, e nos anos 2000 ficaria ainda mais prático com os softwares DAWs, Pro-Tools e Ableton, criados para manipulação e edição de sons em laptop.


Já a partir de Left-Handed Dream (1981), os próximos álbuns já serão marcados por uma abertura ainda maior à outras inspirações e influências de outros gêneros como as artes conceituais, a pop art, o rock, o jazz e a world music, com muito uso de instrumentos acústicos (violão, guitarras, saxofones e etc) e instrumentos étnicos asiáticos e africanos sendo misturados com a instrumentação eletrônica e sendo até modificados eletronicamente. Os álbuns Ongaku Zukan (1984), Esperanto (1985), Futurista (1986) e Neo Geo (1987) já apresentam, aliás, um passo adiante com a inserção das inovadoras sonoridades digitais via instrumentos da Yamaha e interface MIDI junto com os ainda usuais dispositivos analógicos —— possivelmente usando Macintosh ou o microprocessador Fairlight CMI, um dos primeiros computadores da nova música digital ——, e também já mostram a forte conexão que essas sonoridades inovadoras de Sakamoto teriam com outros movimentos vanguardistas das artes cênicas e do audiovisual dos anos 80. O álbum Ongaku Zukan, por exemplo, vem com o alusivo subtítulo "Illustrated Musical Encyclopedia" e praticamente apresenta a influência de um estilo musical diferente em cada faixa. Enquanto o álbum Esperanto já é bem alusivo a essa sofisticada abordagem eclética de Sakamoto —— no sentido de amalgamar sons étnicos que vinham das mais remotas tradições (japonesas, asiáticas, africanas) com sons modernos e contemporâneos advindos do jazz fusion e dessa nova eletrônica digital ——, e documenta a trilha sonora que lhe foi encomendada pelo produtor japonês Shozo Tsurumoto para uma performance da coreógrafa nova-iorquina Molissa Fenley, sendo que, um ano depois do lançamento do álbum, essas faixas ainda seriam transformadas em um projeto de vídeo experimental dos artistas visuais nova-iorquinos Kit Fitzgerald, Nam June Paik e Paul Garrin. Na sequência, Sakamoto lança o álbum Futurista (1986), que se inspira no conceito do Movimento Futurista, fundado nos anos de 1910, e usa samples da voz do próprio fundador Filippo Tommaso Marinetti, conceitualmente atualizando aquele futurismo pós Revolução Industrial para os termos dessa nova arte de música digital ebulida da cultura pop. Já o álbum Neo Geo (1987) apresenta uma expansão ainda maior dessa universalidade pop de Sakamoto rumo à estética do world beat (subgênero que amalgama as sonoridades da world music com o pop e a electro dance), e também apresenta uma sonoridade que mistura elementos reminiscentes do pós-punk e da no wave, inclusive tendo a participação do cantor Iggy Pop e músicos da Downtown Scene tais como Arto Lindsay e Bill Laswell. Ademais, Sakamoto adotaria uma verve cancionista ainda mais conectada com cantores aclamados da música pop. Nos anos de 2000 e 2010, contudo, Sakamoto voltaria a lançar ao menos dois álbuns compostos inteiramente de eletrônica: Chasm (2004) e Plankton (2016). Em Chasm ele insere-se num contexto que se situa entre os extremos: indo das texturas mais minimalistas, passando por um relaxante lounge jazz, batidas de hip hop e englobando até o estilo ruidoso de eletrônica glitch, que incorpora ruídos, chiados, microfonias, defeitos eletrônicos, bugs, compressão de bits e etc. Por fim, no álbum Plankton (2016) Sakamoto documenta uma peça minimalista com design sonoro projetado para ser trilha de uma instalação do artista visual Shiro Takatani sob um tema de Christian Sardet, um famoso biologista e estudioso das formas de vida minúsculas dos mares que lançou o book Plankton: Wonders of the Drifting World com nítidas e grandes imagens de plânctons. Sakamoto foi, enfim, um artista visionário que sofisticou a arte da música eletrônica praticamente até em sua última fase da carreira!


Álbuns com foco em vocais e canções pop: com colaborações de vários cantores aclamados 
Nesses quatro álbuns abaixo Ryūichi Sakamoto continua a explorar sua expansiva instrumentação electro-pop regada a doses abundantes de elementos de outras estéticas —— world music, jazz fusion, rock, música tradicional japonesa, música brasileira, avant-garde, pós-punk, etc e etc.. ——, mas agora embala numa fase de prestígio em que seu nome já é constantemente venerado entre os grandes artistas e cantores do universo pop, de forma que agora sua criatividade estará focada na composição de canções, com ele mesmo cantando em várias faixas dos álbuns. Nessa fase ele colabora e empreende parcerias com David Byrne, David Sylvian, Cindy Lauper e Madonna, e seus discos recebem a colaboração de muitos cantores de renome do universo pop e de outros gêneros de música. O álbum Beauty (1987), por exemplo, tem a participação de cantores como Jill Jones (R'n'b, soul), Robert Wyatt (expoente da cena de Canterbury e do art-rock), Arto Lindsey (no wave, pós-punk...membro das bandas DNA e The Lounge Lizards), Youssou N'Dour (cantor senegalês) e Brian Wilson (expoente do rock, fundador dos Beach Boys), além de outros nomes que fizeram parte dos backing vocals. O álbum Heartbeat (Virgin, 1991) tem a colaboração de cantores como David Sylvian (expoente do pop e do chamado "glam rock") e continua a ter Arto Lindsay e Youssou N'Dour, além de ter a curiosa aparição do compositor John Cage em um dos vocais. O álbum Sweet Revenge (1994) já traz a colaboração de Arto Lindsay, Holly Johnson (vocalista da banda Frankie Goes to Hollywood), Roddy Frame (vocalista da banda new wave Aztec Camera), Miki Imai (cantora do pop japonês), entre outros. E, por fim, o álbum Smoochy (1996) recebe a colaboração das cantoras Vivian Sessoms (soul, R'n'b), Soraya (cantora pop colombiana, radicada nos EUA) e Paula Morelenbaum (música popular brasileira). Mesmo que esses álbuns tenham foco no catálogo de canções de Sakamoto e seus colaboradores, as instrumentações não podem ser encaradas como meros backstages para acompanhamentos, já que continuam altamente inovadoras —— tendo, inclusive, a colaboração de vários excelentes instrumentistas ligados ao jazz, à world music e à música brasileira tais como o citarista Ravi Shankar, o trompetista Alex Sipiagin, o guitarrista Bill Frisell, o percussionista Cyro Baptista, o guitarrista Romero Lubambo, o violoncelista Jaques Morelenbaum, o percussionista Naná Vasconcelos, dentre muitos outros. 



Álbuns que registram a evolução do seu design minimalista  e têm o piano como o foco central
Ryūichi Sakamoto também representou uma inovação inconteste no campo da ambiente music, uma estética minimalista iniciada entre meados dos anos 70 e 80 com o compositor conceitualista britânico Brian Eno. E os nove álbuns listados abaixo atestam essa sua arte indelével. Os japoneses já são, por natureza, minimalistas —— em vários processos da vida. E Sakamoto vai expressar muito desse pattern minimalista japonês e vai polir suas peças cada vez mais com um sofisticado sound design. Na verdade, mesmo em finais dos anos de 1970 e nos registros de electro-pop dos anos de 1980 já encontramos peças suas baseadas numa estética "ambient" em meio a peças eletrônicas dançantes e intrincadas. Mas é a partir de meados dos anos 90 e início dos anos 2000 que Sakamoto dará total foco para o desenvolvimento dessa estética. Nessa fase, as notas cristalinas do seu piano dão formas a temas ou canções sublimes e subliminais ou apenas pairam espaçadas pelo espaço-tempo em meio aos ambientes, às atmosferas etéreas e texturas futuristas. O fato é que agora, a partir do início dos anos 2000, Sakamoto fará uma conceitual confluência entre uso minimalista dos sintetizadores analógicos e digitais com o uso das novas programações em laptop, criando apenas texturas e atmosferas que sejam um plano de fundo para as notas cristalinas do seu piano. O piano, agora, seria o instrumento central nas suas obras, de forma que ele passaria a se apresentar frequentemente em recitais de piano solo, muitas das vezes fazendo releituras minimalistas de peças, temas e canções suas que já haviam se tornado célebres em seus álbuns pop ou trilhas sonoras. E, assim, Sakamoto seguiria em busca de sofisticar cada vez mais seu design sonoro.
 

O primeiro registro com foco maior no piano acústico foi lançado, aliás, já em meados dos anos 80. Trata-se do álbum Coda (London Records, 1985), onde Sakamoto nos traz os temas da trilha sonora do emblemático filme "Merry Christmas Mr. Lawrence" em novos arranjos para piano solo, trafegando entre um range que vai do piano clássico aos acordes repetitivos da música minimalista —— nesse disco apenas os temas "Japan" e "Coda" são inéditos. Depois temos o sofisticado álbum BTTB (1998), que expande totalmente os conceitos desse seu minimalismo em termos de piano solo. A seguir, temos o álbum Comica (2002) que insere o piano nessa ambient music feita de atmosferas e texturas eletrônicas. E, então, Sakamoto vai evoluindo e adicionando pitadas mínimas de outros ingredientes. Em seguida ele lança o curioso álbum Elephantism (2002) onde ele inspira-se nos sons dos animais, da flora, fauna e tribos da África, mas sempre dentro desse contexto minimalista onde o piano é o principal sujeito. Em seguida ele lança nos álbuns /04 (2004) e /05 (2005) mais um conjunto de releituras para piano solo das suas peças, temas e canções que se tornaram célebres em trilhas sonoras em seus álbuns pop. Já no álbum Out of Noise (2009) ele retoma sua estética de piano imerso em eletrônica ambient. E, assim, vai variando nos próximos títulos: Playing the Piano (piano solo, 2009), async (piano e eletrônica, 2017) e 12 (piano e eletrônica, 2023), esse último lançado pouco antes da sua morte. Assim, podemos concluir que a contribuição de Sakamoto como uma inovador do sound design dentro da estética da "ambient music" no espectro da música minimalista é definitiva, e também podemos especular que, à medida que os revisores e a crítica revisitem sua discografia, estes registros se tornarão cada vez mais emblemáticos e definidores na conclusão de como esse tipo de minimalismo futurista foi determinante dentro do espectro da música contemporânea.


Álbuns que registram suas trilhas sonoras para seriados de TV, anime, documentários e cinema
Ryūichi Sakamoto foi um dos maiores compositores de trilhas sonoras para produções cinematográficas das últimas décadas, e é certo de que ele já deve ter um assento de relevância no olimpo estrelado por compositores como Henry Mancini, Lalo Schifrin, Ennio Morricone, John Williams, Howard Shore, Philip Glass, Danny Elfman, Max Ritcher... —— apenas para citar alguns. Sakamoto começa essa sua trajetória de compositor de trilhas compondo, logicamente, para a indústria japonesa e seus animes, filmes e seriados do gênero tokusatsu: a começar pela trilha sonora que ele compôs para o filme Daijōbu, My Friend, de 1983, filme escrito e dirigido por Ryu Murakami que conta a história de um super-herói chamado Gonzy Traumerai (Peter Fonda) como uma paródia aos filmes americanos como Superman, ET the Extra-Terrestrial e o trash Attack of the Killer Tomatoes. Nesse tipo de produção musical, Sakamoto vai variar sua escrita e seus arranjos de acordo o gênero, mas sempre com uma profundidade e com temas de melodias marcantes que se tornaram hits emblemáticos e indissociáveis da sua identidade: suas trilhas para games, animes e produções japonesas do gênero tokusatsu —— um gênero que se tornou emblemático no início da hegemonia tecnológica do Japão e no florescimento do j-pop —— enfatizarão temas com sonoridades eletrônicas mesmo quando há arranjos orquestrais; enquanto as trilhas que ele escreveu nos anos 90 para filmes de cineastas americanos, por exemplo, já enfatizarão o arranjo orquestral com menos propensão para a incursão de temas eletrônicos, podendo ter efeitos e texturas em passagens pontuais dos arranjos. Ainda em 1983 Sakamoto participa do emblemático filme Merry Christmas, Mr. Lawrence, dirigido por Nagisa Ōshima, atuando como produtor, autor da trilha sonora e ator, curiosamente estrelando em cenas ao lado do rock star David Bowie (foto acima): dessa trilha, o tema central "Merry Christmas, Mr. Lawrence" se tornaria um dos seus hits de mais sucesso dentro do pop mainstream. Em seguida ele compõe as trilhas para o famoso anime japonês Royal Space Force: The Wings of Honnêamise (1987) e para o icônico filme O Último Imperador (1987) de Bernardo Bertolucci, a partir do qual ganhou um Oscar na categoria de Melhor Trilha Sonora Original. Essas duas criações musicais hiper criativas evidenciam, enfim, tratativas diferentes na escrita e nos arranjos, com uma sendo relacionada ao gênero tokusatsu e tendo mais sons eletrônicos e a outra se ambientando do arranjo sinfônico com incursões de instrumentos étnicos chineses, sendo exemplos incontestes da assustadora versatilidade que lhe impulsionaria ainda mais carreira de compositor para TV e cinema nos anos vindouros.
 

A partir dos anos 90, foi um petardo atrás do outro! Apenas com Bernardo Bertolucci, Sakamoto foi convidado a atuar, como compositor das trilhas e como ator, em mais dois filmes: The Sheltering Sky (O Céu Que Nos Protege, 1990), com a trilha sendo interpretada pelos músicos da The Royal Philharmonic Orchestra; e a trilha de Little Buddha (O pequeno Buda, 1993), onde teve a colaboração dos músicos da Tokyo Philharmonic Orchestra, da cantora Shasheen Samad Kanika, do coral The Ambrosian Singers e dos músicos indianos Nishat Khan (sítara), Zakir Hussain (tablas) e L. Subramaniam (violino). Depois ele teria uma produtiva associação com Oliver Stone, escrevendo a trilha para o seriado "Wild Palms". E depois Sakamoto escreveria a majestosa trilha sonora de Snake Eyes (Olhos de Serpente, 1998) dirigido por Brian De Palma e tendo Nicolas Cage como protagonista, com arranjos orquestrais densos combinados com texturas e espasmos eletrônicos numa atmosfera urbana e noir, com regência dele próprio. Já nos no final dos anos 90 e início dos anos 2000, as trilhas sonoras de Sakamoto sofreriam forte influência da sua busca minimalista, levando para sua música cinematográfica aquele sound design futurista que se tornaria indissociável da sua identidade: a começar pelas trilhas do documentário Love Is the Devil: Study for a Portrait of Francis Bacon (1998), do filme Gohatto (1999) de Nagisa Ōshima e do documentário sobre o filósofo Derrida (2002) de Kirby Dick. Ademais, uma outra trilha sonora interessante é a que ele escreveu para o fime Tony Takitani (2004) de Jun Ichikawa, onde ele atua apenas em piano solo. Na década de 2010 e nos últimos anos que antecederam sua morte, Sakamoto continuaria impressionando com suas trilhas dotadas de arranjos profundos e futuristas, sempre enfatizando cada vez mais seu conceito minimalista sofisticado. Continuando a trabalhar com diferentes gêneros, ele escreveu as trilhas do anime japonês-coreano My Tyrano: Together, Forever (2019) de Kōbun Shizuno, do filme The Revenant (O Regresso, 2015) de Alejandro Iñárritu e Leonardo DiCaprio, e do curta-metragem The Staggering Girl (2019) dirigido por Luca Guadagnino, essa última com um conceito que se aproxima um tanto das ruidagens ao estilo "glitch". Sakamoto ainda comporia diversas trilhas para as novas produtoras de streaming, incluindo as trilhas para o episódio "Smithereens" (2019) da série Black Mirror, do filme Beckett (2021) dirigido por Ferdinando Cito Filomarino, e da série de anime E∞ception (2022), todas produções da Netflix. Clique nos álbuns acima para ouvir algumas dessas trilhas sonoras!


Sakamoto também compôs música para videogames e até ringtones para celulares da Nokia


Nos anos 80 e 90 o Japão floresceu como um líder mundial na produção de eletrônicos e sua cultura pop —— também chamada J-pop —— se espalhava pelo mundo através dos animes, das séries de tokusatsu (Jaspion, Jiraya, Changeman, Os Cavaleiros do Zodíaco e etc) e dos videogames. Com essa crescente demanda, foi comum renomados músicos e compositores japoneses serem contratados para compor trilhas para essas produções. E Ryūichi Sakamoto, apesar da sua lotada agenda e da sua fama que já se tornara mundial, não escaparia desses convites com tranquilidade, sendo convidado para compor música para uma série de animações e videogames. Vimos acima, por exemplo, que ele já escrevera trilha sonora para animes —— e continuaria a fazê-lo nas décadas de 2000, 2010 e até pouco antes da sua morte. No final dos anos de 1980 ele compõe, então, a música para o videogame Tengai Makyou: Ziria, publicado em 1989 pela Hudson Soft no formato de CD-ROM² para o PC Engine: é o primeiro lançamento de uma série e segue uma trama baseada na lenda de Jiraya, se tornando um jogo muito popular e tendo várias atualizações nos anos 2000, incluindo uma atualização para o Xbox 360 e uma versão para celular. Depois Sakamoto comporia a música de LOL: Lack Of Love, um jogo de simulação de vida evolutiva desenvolvido pelos programadores da Love-de-Lic e lançado pela Sega Corporation: a trilha musical desse game já apresenta, aliás, uma incontestável evolução no sound design eletrônico que o compositor japonês vinha perseguindo. Já em seguida, Sakamoto seria convidado pela Nintendo para compor música para o videogame Seven Samurai 20XX, que tem uma trama baseada no fime cult Os Sete Samurais lançado pelo legendário cineasta Akira Kurosawa em 1954 —— esse fime cult, aliás, inspirou uma série de remakes e outras produções de jogos e animes. Embora esse tipo de produção musical fique refém dos propósitos comerciais desses produtos e das suas produtoras, é visível como Ryūichi Sakamoto exprime qualidade, identidade e inovação mesmo nessas trilhas e vinhetas, saindo das sínteses eletrônicas retrôs dos anos 80 para um sound design futurista nos anos 2000. Dá para garimpar as compilações dessas trilhas no YouTube, e no próprio Spotify de Sakamoto dá para ouvir alguns desses registros. Ademais, Sakamoto seria contratado até para compor uma série de ringtones para os celulares da finlandesa Nokia Corporation.


Duo com Alva Noto: o minimalismo alcançando as minúcias quânticas do som no espaço-tempo
É possível que Ryūichi Sakamoto seja o músico e compositor japonês que mais empreendeu parcerias com inúmeros músicos do mundo todo, e de inúmeros gêneros musicais —— sem contar os registros em que ele é convidado para atuar como sideman e colaborador. Mas de todas essas parcerias, talvez a mais frequente e duradoura tenha sido seu duo com o DJ e manipulador de eletrônicos alemão Alva Noto, que é outro dos grandes nomes da ambient music no ramo da música eletrônica mais conceitualmente voltada para o encontro entre som, design gráfico e instalações de arte. Por duas décadas eles mantiveram o projeto do duo em ativa e atuaram numa série de álbuns, shows, turnês, trilhas para filmes e audiovisual, instalações e outros eventos, tornando a parceria uma legenda da música minimalista conceitual.  Alva Noto, conheceu Ryūichi Sakamoto durante sua primeira turnê no Japão em 2000 e, um ano depois, o músico japonês o contatou para que ele remixasse um material seu para a revista japonesa Code Unfinished: curtindo o resultado, Sakamoto lhe enviaria muito mais material para edição, remixagem e pós-processamento, começando a partir daí a parceria. Em 2002, o duo lança o álbum Vrioon, considerado um clássico do minimalismo ambient, e inaugura uma série chamada V.I.R.U.S que renderia outros quatro registros, todos lançados pelo selo próprio de Alva Noto, o Raster-Noton. São eles: Insen (2005), Revep (2006), utp_ (registro orquestral de 2008, com o Ensemble Modern, o qual abordarei abaixo) e Summvs (2011), sendo que as letras iniciais dos cinco álbuns formam o acrônimo para a palavra "Virus". Alva Noto é reconhecido por ser um manipulador minimalista altamente meticuloso e fascinado pelas propriedades micro-sensoriais e pelas minúcias quânticas dos sons eletrônicos. E essa sua síntese cirúrgica irá influenciar sobremaneira a concepção pessoal que Sakamoto já vinha construindo em torno do seu sofisticado sound design. Mas ao invés de levar totalmente esse conceito de "micro sounds" para dentro da sua produção tendo o risco de mudar a trajetória de todo um conceito pessoal que ele já vinha desenvolvendo, Sakamoto empreende uma nova parceria com Alva Noto —— às vezes com seu piano pairando entre silêncios e microtexturas, outras vezes com os dois emitindo apenas sinapses eletrônicas no espaço-tempo... ——, criando, assim, um emblemático projeto paralelo que logo se expandiria em seu conceito reducionista e seria considerado uma referência do minimalismo contemporâneo. Além dos álbuns de estudio, há também os registros das performances ao vivo do duo.


 O trio de piano, violino e violoncelo e sua parceria com o cellista brasileiro Jaques Morelenbaum
 

Ryūichi Sakamoto foi um grande entusiasta da música brasileira e, inclusive, se colocou à disposição para atuar como colaborador de alguns dos grandes músicos da música popular brasileira em shows e gravações. Sakamoto conheceu o violoncelista brasileiro Jaques Morelenbaum, inclusive, quando ambos foram convidados a participar da gravação do álbum Circuladô (1991) de Caetano Veloso, que continuou convidando-os para os shows e turnês desse álbum. A partir daí, os laços se estreitaram e posteriormente ambos formaram alguns combos: o trio Morelenbaum²/Sakamoto tendo a cantora Paula Morelenbaum (esposa do cellista), e um trio de piano-cello-violino tendo violinistas como a chinesa Judy Kang e os americanos Everton Nelson, David Nadien e Barry Finclair. Essa parceria gestou alguns belos álbuns para quem aprecia esse combo tão clássico de duo/trio de cordas e piano, mas aqui já em um tipo de arranjo onde temas e canções pop ganham inflexões eruditas com certo lirismo e frescor contemporâneo. Indico, então, com essa parceria Morelenbaum-Sakamoto os três álbuns acima. Os álbuns "1996" e THREE (2012) trazem apenas as canções e temas de Sakamoto, muitas delas já célebres e advindas das suas trilhas e álbuns pop anteriores, sendo aqui reimaginadas para esse tipo de arranjo com piano-violino-cello. Já o álbum Casa (2001), apresenta o casal Morelenbaum e Sakamoto totalmente imersos na nossa brasilidade com arranjos para um conjunto de canções e temas de Antonio Carlos Jobim, sendo essa uma bela homenagem a esse mestre da bossa nova: o álbum foi gravado na própria casa de Tom Jobim no Rio de Janeiro, com Sakamoto utilizando seu piano de cauda e contando com a presença de colaboradores como Ed Motta (vocal, na faixa 9), Luiz Brasil (guitarra), Zeca Assumpção (contrabaixo) e Marcos Suzano (percussão). Esse álbum jobiniano foi um registro de considerável repercussão nos EUA, Japão e Europa, sendo listado como um dos "álbuns do ano" em muitas críticas. E na versão expandida em CD, Morelenbaum e Sakamoto incluem um bônus com a canção "Samba do Avião" e uma faixa espontaneamente improvisada, ambas faixas que foram gravadas ao vivo. 


Sakamoto e sua produção erudita: arranjos escritos para a Tokyo Philharmonic Orchestra (TPO), peça contracenada com o Ensemble Modern, ópera LIFE e outras peças autorais


Muitas das trilhas sonoras que Ryūichi Sakamoto escreveu para cinema são imponentes obras-primas sinfônicas com escritas e orquestrações da mais alta qualidade composicional —— por vezes com efeitos eletrônicos buscando aquele seu sofisticado design sonoro em meio a densidade das cordas e tal... ——, e que, portanto, se encaixam perfeitamente dentro da classificação de "música erudita contemporânea". Mas aqui quero indicar gravações com arranjos e peças que Sakamoto escreveu estritamente para o universo erudito —— fora do universo cinematográfico. Comecemos, por exemplo, pelos álbuns da série Playing the Orchestra, um projeto que Sakamoto empreendeu frequentemente com a Orquestra Filarmônica de Tóquio (TPO): em 1988 ele e a TPO lançaram uma edição em disco com reimaginações sinfônicas de temas selecionados das trilhas dos filmes The Last Emperor & Merry Christmas Mr. Lawrence; em 1997 ele e a TPO lançaram uma segunda rodada de arranjos, dessa vez registrados em DVD, tendo participações do DJ Spooky e do guitarrista David Torn, e estreando também a imponente e dissonante peça Untitled 01 em quatro movimentos; e em 2013 Sakamoto e a TPO retornam com novas reimaginações e arranjos sinfônicos para outras das suas canções e outros dos seus temas gravados em trilhas sonoras, álbuns da sua fase pop e em outros contextos, dessa vez tendo a participação da arranjadora de jazz Miho Hazama em uma das faixas. Outra indicação super interessante é o álbum Discord (1998), que retorna as atenções para a peça Untitled 01 em quatro movimentos, e é onde Sakamoto exprime um arranjo mais sombrio, espiritual, cacofônico e profundo, expressando sua insastifação com os conflitos e discórdias do mundo: os quatro movimentos são "Grief", "Anger", "Prayer" e "Salvation", e em meio à profundidade da densa massa sonora orquestral pairam os efeitos elétricos e eletrônicos do DJ Spooky e do guitarrista David Torn —— posteriormente a gravadora Ninja Tune lançaria, também, uma versão com partes de "Prayer" e "Salvation" remixadas por Ashley Beedle e Andrea Parker, dois artistas de música eletrônica. Já em 2007, o duo ultra minimalista de Ryuichi Sakamoto e Alva Noto foi convidado para criar uma performance audiovisual para o 400º aniversário da cidade de Mannheim, na Alemanha, tendo como plano de fundo uma peça que foi escrita para ser contracenada com o emblemático Ensemble Modern: essa performance resultou numa peça com intervenções orquestrais chamada utp_ (deduzida de “Utopia”) e foi lançada em CD e DVD em 2008, como parte da já mencionada série V.I.R.U.S.
Ademais, em 1999 Sakamoto lança uma elogiadíssima ópera chamada LIFE —— que não pode ser comparada, aliás, com uma ópera no sentido clássico-padrão. Trata-se de uma obra conceitual que tem como cenário as instalações visuais hiper contemporâneas do artista Shiro Takatani. Sakamoto afirma, aliás, que nunca gostou da ópera clássica e seus figurinos bufantes, mas resolveu criar uma peça baseando-se no conceito de que "ópera" advém de "obra" em latim, que é uma forma plural para "opus": assim, quando ele percebeu que a origem do termo transcendia o padrão de uma peça orquestral com teatro, ele decide criar uma ópera transcendente e despojada desse padrão para um conceito pessoal composto por música eletrônica, instalação, vídeo e performance contemporânea, criando aí vários "opus" que têm a premissa de examinar a vida e música do século 20. Apesar de ser uma obra minimalista, sua ópera LIFE vai trazer uma amplitude maximalista para a reflexão da vida e da arte: o conteúdo textual traz reflexões humanistas para a vida (abordando, por exemplo, críticas às guerras e preconceitos) por meio da arte; o conteúdo musical faz um exame da música do século 20, evocando ecos que vão do modernismo erudito à world music, passando pela técnica de manipulação de loops e colagens; e o conteúdo visual de Shiro Takatani integrará vídeo, instalação e performance. Ao falar da obra, Sakamoto resumia da seguinte forma: "LIFE é uma obra que traz a tentativa de examinar a música do século 20 com uma visão macro/microcósmica de todo o fluxo da arte e da civilização". A peça é performada apenas com piano, eletrônicos, laptops, vídeo e os performers que recitam os textos e interagem com a instalação e seu arrojado design gráfico com projeção de luzes. A ópera foi apresentada diversas vezes ao público japonês em locais e eventos como Yamaguchi Center for Arts and Media [YCAM], "Experimental Live at Honen-in Zen Temple" (performance experimental realizada num templo budista) e Kyoto University of Art and Design, sendo também encomendada para diversas exibições e museus de arte moderna e festivais de música experimental no exterior. O sucesso da peça resultou em vários lançamentos: documentários; book com sinopses e imagens das instalações; um DVD intitulado LIFE - fluid, invisible, inaudible...; e álbuns como LIFE IN PROGRESS (um sketch panorâmico da ópera lançado pela Warner); RAW LIFE OSAKA (gravada ao vivo em Osaka), RAW LIFE TOKYO (gravada ao vivo em Tóquio) e AUDIO LIFE (que inclui as melhores tomadas das apresentações de Osaka e Tóquio).


Álbuns com músicos do Avant-Garde: free improvisation, noise music... um ponto fora da curva...
 

Do electro-dance à música minimalista, Ryūichi Sakamoto foi um artista musical que esteve na vanguarda de quase tudo o que produziu, principalmente porque ele prenunciou e influenciou vários dos gêneros contemporâneos de música —— e mesmo em sua fase pop mais cancionista, ele de fato conseguiu equilibrar o palatável com o experimental de forma inovadora. Mas aqui quero chamar a atenção do ouvinte de audição outsider para o fato de que Sakamoto também tem alguns registros onde atua ao lado de vanguardistas do espectro mais radical da livre improvisação e da noise music. Ainda que não sejam muitos —— uma vez que seu foco sempre foi, de fato, buscar um conceito cada vez mais reducionista dentro do design minimalista ——, esses registros exemplificam o quanto Sakamoto foi eclético e benquisto, atuando até mesmo em projetos de músicos adeptos a experimentações mais radicais. Dois álbuns que exemplificam essa faceta são estes acimas. No final dos anos 80, Ryuichi Sakamoto e Bill Laswell tiveram a ideia de gravar o álbum Asian Games (Verve Forecast, 1993), onde fariam uma mistura das explorações que ambos viam empreendendo. Para tanto, convidaram o emblemático pianista de jazz Yosuke Yamashita, que teve de ser convencido a aceitar a empreitada por não ser adepto em trabalhar com eletrônicos: Sakamoto teve de projetar, então, um sistema analógico e  interativo onde o pianista se sentisse totalmente à vontade. Além dos livres improvisos contracenando com os eletrônicos, Sakamoto e Laswell também incluíram um conjunto de samples tirados de registros da cantora libanesa Dunya Yusin, do álbum My Life in the Bush of Ghosts de Brian Eno e David Byrne e da canção "Angel Dust" da banda inglesa New Order. O resultado é uma curiosa mistura de elementos de formas de jazz, free jazz, pop music, eletrônica, world music, colagens e variações iconoclastas e experimentais desses gêneros. Recentemente, Ryūichi Sakamoto reapareceu em outro projeto colaborativo com outro músico adepto a ruidosidades: o guitarrista e manipulador de eletrônicos inglês David Toop. Juntos, eles lançam o álbum Garden of Shadows and Light (ThirtyThree ThirtyThree Recordings, 2022) para trazer à tona os livres improvisos e ruídos que eles captaram em 2018 na St John at Hackney Church, em Londres, explorando ambiências ao estilo drone music, ruídos e chiados eletrônicos como plano de fundo para licks/ tiques e pizzicatos extraídos das cordas de aço da guitarra e das cordas e caixa de ressonância de um piano preparado. Esses trabalhos colaborativos soam, enfim, totalmente diferentes de outros registros da discografia individual de Sakamoto, seja comparando com os álbuns da sua fase pop ou com seus registros minimalistas.


Projetos de ativismo e conscientização em favor da paz, humanidade, inclusão cultural e etc... campanhas contra desmatamento, minas terrestres, usinas nucleares e etc.
 
Outra faceta de Ryūichi Sakamoto foi seu engajamento em projetos de ativismo social em várias causas. Tendo uma crítica pessoal negativa quanto a alguns procedimentos comerciais usados na distribuição da música —— apesar dele próprio ter sido um músico amplamente difundido por subsidiárias de majors como Sony, Warner e Columbia ——, em 2006 Sakamoto se junta à gravadora japonesa Avex Group para fundar uma plataforma chamada Commmons, na intenção de facilitar a difusão de novos artistas. Essa sua faceta também é marcada por um contundente ativismo em favor das causas ambientalistas e em favor da paz e humanidade. Um exemplo é o EP que Sakamoto produziu afim de  gerar receita para ajudar campanhas de conscientização, desarmamento e proibição de minas terrestres em diversas partes do mundo, onde ele lidera um conjunto de vários músicos e artistas para formar um grupo chamado No More Landmines (NML): vide o single Zero Landmine, lançado em 2001. Na segunda metade dos anos 2000, Sakamoto lançou o projeto Stop Rokkasho, uma campanha para interromper a construção da Instalação de Reprocessamento de Combustível Nuclear de Rokkasho, no Norte do Japão: essa campanha teve a adesão de vários músicos e grupos que criaram singles para compor um CD a ser lançado especialmente para gerar fundos para custeio —— incluindo o Kraftwerk, que cedeu uma nova versão do seu tema Radioactivity ao projeto. Em 2007, ele fundou a iniciativa ecológica mais-árvores, que contribui para compensar as emissões de carbono através da silvicultura ativa. Ademais, até pouco antes da sua morte Sakamoto vinha sendo uma insistente voz de apoio e ajuda às vítimas de terremotos, tsunamis e um ferrenho crítico do colapso nuclear antropogênico em Fukushima. Sakamoto criaria, ainda, campanhas e organizações de caridade, apoio à inclusão criativa e cultural de jovens por meio da Tohoku Youth Orchestra (da qual foi diretor artístico) e shows e eventos beneficentes que incluíram muitos artistas japoneses famosos e músicos de várias partes do mundo. Em várias dessas campanhas, a música de Sakamoto esteve envolvida como um eficaz carro-chefe, e ele obteve ajuda de vários músicos, grupos e compositores que também se fizeram presentes e criaram singles para apoiá-lo na geração de receita para custeio.