CORY SMITHE, NICOLE MITCHELL, JAIMIE BRANCH, JULIA WOLFE & SO PERCUSSION |
No primeiro semestre deste ano de 2023 não focamos muito em trazer novos projetos e lançamentos aqui no blog, pois produzimos alguns podcasts e tínhamos algumas listas que estavam pendentes desde os anos da pandemia: e uma das coisas que a ociosidade da pandemia nos despertou foi esse revivalismo de recordar e atualizar nossas listas de álbuns preferidos em várias categorias, bem como de reviver nossa bagagem e reabrir nosso baú de preciosidades para resgatar escutas esquecidas de outros tempos. Mas também não podemos nos queixar, pois no período pandêmico estivemos atentos e atualizados em relação a vários dos projetos dos grandes músicos, compositores, bandas e ensembles do jazz, eletrônica e música erudita, de forma que nosso blog se tornou um site-referência nessa abordagem mais holística de foco em música instrumental em geral, principalmente nas searas de música contemporânea. Demos tanta atenção aos projetos especiais que surgiram na pandemia, de 2020 à 2022, que neste primeiro semestre de 2023 pudemos dar uma afrouxada nesse quesito para dar uma turbinada nas listas pendentes —— algumas, aliás, ainda em andamento, em pleno work in progress... ——, pois o blog já estava bem abastecido de lançamentos e novidades. Agora neste segundo semestre de 2023 deveremos ter este post e mais um ou dois outros posts focados em lançamentos para nos atualizar. Os músicos, os ensembles, as bandas e compositores mais criativos não param! Alguns meses desatentos, e já perdemos muita coisa boa e criativa! Mas reafirmo que, entre reviver os clássicos e falar dos mestres em nossos podcasts, o blog continuará a tentar manter esse foco em atualizar os seus ouvinte-leitores com o que anda acontecendo de novo nas searas instrumentais da música contemporânea em geral. Essa lista abaixo é um pequeno exemplo do quanto tivemos de lançamentos interessantes nessa fase de retomada pós pandemia! Boa viagem!
★★★★¹/2 - YoshimiOizumikiYoshiduO - To The Forest To Live A Truer Life (2023).
Uma das percepções que a pandemia nos potencializou é a de que há inúmeros processos de criação, composição e registro musical na música contemporânea e todos são válidos e autenticamente criativos: desde a forma tradicional de se criar uma simples canção com voz e convencional acompanhamento, passando por criar peças abstratas mixando sons pré gravados ou até mesmo compor em pauta e papel uma engenhosa sinfonia para ser interpretada por uma orquestra, em todos esses e outros processos de criação e registro estamos falando, afinal, de criatividade —— pura e simplesmente! E o processo de criação das peças deste álbum de estreia da dupla YoshimiOizumikiYoshiduO —— sim, é assim mesmo que eles assinam a parceria e o projeto —— é um processo diferente, interessante, e altamente criativo. O processo começa com a tecladista YoshimiO (líder de bandas experimentais japonesas como OOIOO e Boredoms) usando o piano e sua voz para criar diversos sons e improvisos. Seu parceiro, IzumikiYoshi, usa um microfone para captar esses sons e improvisos brutos criados por YoshimiO e os insere num sintetizador modular, onde esses sons improvisados passam por cirúrgicos processamentos e modulações espectrais. Depois esses sons espectrais modulados eletronicamente são combinados e mixados novamente com novos sons e improvisos produzidos ao vivo pela dupla de maneira espontânea, e sempre tentando transformar sua subjetividade em improvisos e apliques que soem o mais criativo possível. E assim surte o espetacular resultado final da música da dupla YoshimiOizumikiYoshiduO que o ouvinte terá o prazer de atestar clicando neste álbum acima. A dupla japonesa é formada pela baterista, trompetista, guitarrista, pianista, vocalista, multi-instrumentista YoshimiO e pelo manipulador de eletrônicos Kiyoshi Izumi e este álbum é o debute da parceria. Em 2009, YoshimiO já havia lançado o criativo álbum Bor Cozmik (Commons), que registra uma única faixa de 40 minutos com gravações de campo de sons locais editadas e alteradas eletronicamente: em uma viagem de 2008 por locais da Malásia, a artista e seu marido Shoji Goto coletaram uma série de zumbidos de insetos os quais foram editados e modulados numa criativa peça de movimento único. E o manipulador de eletrônicos Kiyoshi Izumi, por sua vez, é uma ativa figura da cena do techno e da IDM do Japão e tem-se mostrado aberto para novas diretrizes criativas que incluam, também, elementos do jazz contemporâneo e da música improvisada. O título To The Forest To Live A Truer Life faz alusão à algumas partes compostas num café próximo a uma floresta do Japão, cenário que acabou influenciando as criações da dupla: algumas faixas até recebem certas nuances imagéticas da floresta e da música tradicional japonesa. Este álbum foi editado e lançado pela interessante gravadora de Chicago Thrill Jockey. Confiram!
★★★★ - Gerald Cleaver - 22 / 23 - (577 Records/ Positive Elevation, 2023).
Após ter lançado "Signs" (2020) e "Griots" (2021) —— ambos já anteriormente citados aqui no blog ——, o baterista de jazz, improvisador e manipulador de eletrônicos Gerald Cleaver chega ao seu terceiro registro de música eletrônica com este álbum acima. Este álbum, chamado simplesmente de "22 / 23", também foi lançado via 577 Records e seu sub-selo Positive Elevation. Explorando de sons ambientes e texturais modulares, passando por elementos do techno-house e englobando até batidas inflexionadas em rítmicas assíncronas e modulações abstratas, as temáticas e atmosferas deste álbum centram-se na memória que Cleaver tem de várias localidades e vários espaços —— urbanos ou não ——, além de sensações temporais: trata-se de um registro eletrônico que documenta tempo, datas, espaços e lugares que marcaram a memória do baterista entre esses dois anos de 2022 e 2023. Sendo natural de Detroit, capital da techno music e do soul e também conhecida como Motor City por abrigar um grande polo de indústrias automobilísticas, Gerald Cleaver sempre dá declarações de como o ambiente musical da sua cidade, mesclado por soul, jazz, afrofuturismo e eletrônica, sempre o influenciou consciente e inconscientemente. E agora, mais recentemente, Cleaver tem enviesado sua carreira para essa verve eletrônica nos mostrando grande criatividade e grandes voos imaginativos, também obtendo considerável aclamação de crítica! Assim como nos álbuns anteriores, Cleaver fez questão de convidar outros músicos para interagir com suas manipulações eletrônicas: neste álbum participam, pontualmente, a vocalista e poetisa Jean Carla Rodea e o saxofonista Andrew Dahlke. Além de vários eletrônicos e moduladores, Cleaver também costuma usar a bateria eletrônica, pontualmente. Esperamos que Gerald Cleaver continue a nos trazer trabalhos eletrônicos criativos como este e os outros anteriores que ele já produziu!
Há, na atualidade, inúmeros jovens talentos da música —— dessas gerações Y e Z, que cresceram enjaulados em casa com altas doses de games, celulares e redes sociais —— que começaram a usar as possibilidades da internet para viralizarem, despontarem e ganharem dinheiro. E o jovem pianista Emmet Harley Cohen, de 30 e poucos anos, é dessa geração. Mas com uma diferença. Apesar de hoje usar os processos de impulsionamento e viralização das redes sociais, Emmet Cohen adentrou os clubes e inicialmente passou por todas as provações, testes, cursos, concursos e premiações que um músico talentoso precisa passar para começar a ter respeito no exigente círculo dos grandes músicos de jazz. Emmet Cohen, pois, já despontou ao estrelato munido de certa sensibilidade, de certa profundidade e certa noção ampla da cultura e da história do jazz, além de, como citado, ter esculpido seu talento em processos que ainda são os mais válidos e confiáveis para se creditar prestígio, respeitabilidade e confiabilidade a um músico de jazz: ele passou por uma graduação na University of Miami em 2012, concluiu um Master of Music (MM) em 2014 na Manhattan School of Music, passou pelo processo de conhecer músicos mais experientes e se pôr à prova nos clubes de jazz de Nova-Iorque, lançou seus primeiros álbuns de forma independente até começar a ser lançado pela conceituada Mack Avenue Records, passou a mostrar com orgulho que sempre manteve muito apreço pela tradição, se pôs a prova para ganhar concursos ou ao menos estar entre os finalistas em vários concursos e competições de piano jazz, e passou a nutrir frutíferas conexões com vários dos mais aclamados músicos e jazz masters da cena nova-iorquina. Com a pandemia, Emmet Cohen usou o próprio espaço da sua casa, no Harlem, para criar o canal Live from Emmet's Place, uma transmissão de vídeo semanal disposta nas principais plataformas e redes sociais onde o pianista e seu trio (composto com o contrabaixista Russell Hall e o baterista Kyle Poole) produzem jams sessions repletas de convidados: as lives passaram a ser um sucesso nas redes sociais e viralizaram na marca dos milhares de views e likes e o jovem pianista passou a contar com vários convidados de renome, incluindo músicos como o veterano saxofonista Houston Person, o saxtenorista Joe Lovano, o contrabaixista Christian McBride e o trompetista Eddie Henderson. O segredo? Emmet Cohen, pois, combina persistência, profundidade e aguçada técnica musical com carisma e tato para lidar com esse novo mundo cibernético. Neste seu segundo registro pela Mack Avenue, Uptown in Orbit, Emmet Cohen usa toda sua proficiência e conhecimento dos estilos e técnicas tradicionais do stride piano e faz uma ponte com o post-bop mais contemporâneo, procurando refletir toda a órbita do straight-ahead pela qual flutua o jazz. Na página da Mack Avenue, a sinopse deste álbum enfatiza que as lives que o jovem pianista e seu trio passaram a produzir proporcionaram um senso de comunidade e um lar para os músicos ociosos de uma Nova York desolada, refletindo as reminiscências das "jam sessions" e das "rent parties" que os músicos faziam em seus apartamentos nas décadas de 1920, 30 e 40. E em Uptown in Orbit, Cohen tenta registrar em disco esse espírito trazendo a tradição do jazz para o plano da contemporaneidade. Além do seu trio com o contrabaixista Russell Hall e o baterista Kyle Poole, Emmet Cohen conta com o trompetista Sean Jones e o saxofonista Patrick Bartley como convidados.
★★★★ - Marcus Strickland - The Universe's Widest Dream (Strick Muzik, 2023).
Marcus Strickland é um saxofonista especial. Trata-se, aliás, de um dos mais versáteis e interessantes saxofonistas do post-bop contemporâneo. Sendo membro fixo da banda New Jawn liderada pelo contrabaixista Christian McBride e tendo sido um colaborador importante na banda de post-bop Keystone de Dave Douglas nos anos 2000, Marcus Strickland também mantém há quase duas décadas uma banda-projeto chamada Twi-Life, com a qual produz uma sempre bem conceituada interseção entre o jazz, o neo-soul e o hip hop, sempre prezando por temas sofisticados e composições de coesão afro-diaspórica, e sempre enfatizando que duas das inspirações mais importante nessa sua empreitada são, entre outros, os elementos do afrofuturismo e os beats e nuances criados pelo legendário e saudoso rapper-produtor J Dilla. Neste álbum acima, ele mantém essa verve e acrescenta novas inspirações. Com o Twi-Life, Strickland se desdobra em ser compositor, saxofonista, DJ e produtor, nos abrindo uma luminosa janela para viajarmos nas asas da sua imaginação, que neste álbum acima evoca tons de humanismo e conscientização. A cada lançamento do Twi-Life, Strickland acrescenta novos moods, nuances e percepções em torno da diáspora afro. Neste EP acima, o saxofonista diz que o conjunto de faixas é nada mais do que uma trilha sonora de estética pan-africana, espiritual e afro-futurista que preza pelo ecletismo, reunindo diversos gêneros da diáspora afro e também sendo voltada para a conscientização em torno da preservação da paz e do milagroso Planeta Terra: "I figure if there’s any message that can recruit more Earthlings to acknowledge, comprehend and take action towards global warming and sustainability, it is the realization that we may be the only planet that harbors life, that we are probably the universe’s wildest dream,” —— diz Strickland. Composto por peças que Marcus Strickland escreveu durante o lockdown pandêmico de Nova York em 2020, o saxofonista enfatiza que os sons, os beats, as letras e os títulos das faixas ressoam toda uma concepção espiritual em torno da nossa existência humana neste vasto universo. Em sua página no Bandcamp, o saxofonista deixou descrito as inspirações de cada uma das peças —— muito interessante! Participam como convidados o guitarrista e cantor africano Lionel Loueke, a cantora Christie Dashiell e o DJ e produtor jamaicano Ras Stimulant.
★★★¹/2 - Tumi Mogorosi - Group Theory: Black Music (Mushroom Hour Half Hou).
O baterista e compositor sul-africano Tumi Mogorosi lança neste álbum acima um trabalho primoroso na linha do jazz contemporâneo com verve mais puxada para o post-bop com tons frescos de spirituals, gospel, neo-soul e atmosferas africanistas. Em sua apresentação sobre o projeto no Bandcamp, Tumi Mogorosi diz que tem como preferência comungar elementos dos legados deixados por legendários músicos sul-africanos tais como Louis Moholo, Makaya Ntshoko e Ayanda Sikade com elementos proporcionados pelos legados de mestres americanos tais como Art Blakey, Elvin Jones e Max Roach. De fato, entre os anos de 1960 e 70 houve uma verdadeira legião de grandes músicos de jazz sul-africanos: a começar por Hugh Masekela, Chris McGregor, Dudu Pukwana, Louis Moholo e membros das emblemáticas Brotherhood of Breath e The Blue Notes. Tumi Mogorosi, por sua vez, é um dos nomes da contemporaneidade a não perder de vistas. Para além do fino tato nas percussões, este álbum acima mostra que o baterista tem aguçado tino composicional e destila uma diretriz mais puxada para esse post-bop com frescor modal e atmosferas advindas do neo-soul, com inflexões contemporâneas de gospel e spirituals aqui e ali salientada pelo uso constante de um coral de vozes que acompanha a banda e faz fundo em quase todas as faixas: os grooves, harmonias e improvisos, o coral de vozes, entre outros elementos, sugerem que o jazz sul-africano tem prestado atenção aos projetos de músicos como Robert Glasper, Chief Xian aTunde Adjuah (Christian Scott), Esperanza Spalding e Kamasi Washington. Eu apenas senti falta dos fantásticos grooves e ritmos tribais sul-africanos. Mas, no geral, o sotaque sul-africano está presente. O projeto e banda contam com Andile Yenana (piano), Dalisu Ndlazi (contrabaixo), Mthunzi Mvubu (sax alto), Reza Khota (guitarra elétrica), Tumi Mogorosi (bateria), Tumi Pheko (trompete) e vários vocais.
★★★★ - Naïssam Jalal – Healing Rituals (Les Couleurs Du Son, 2023).
Aqui neste álbum acima já temos um projeto mais direcionado para uma verve mais "world jazz". Quem lidera a empreitada é a flautista, improvisadora, vocalista e compositora franco-síria nascida em Paris, Naïssam Jalal. Nascida de pais sírios e educada na França, Naïssam Jalal posteriormente estudou no Instituto Superior de Música Árabe em Damasco, Síria, e mais tarde também atuou como professora particular em Cairo, Egito, antes de regressar à França, portanto desfrutando de um amplo panorama musical através do contato com as tradições musicais de várias localidades e culturas. Em suas declarações, a flautista tem explicitado que ela teve a inspiração para compor as peças deste álbum depois de passar por um momento doloroso em que ficou internada por algumas semanas em um hospital e um amigo músico foi tocar para ela em seu leito de dor: segundo a vocalista e flautista as peças foram compostas como rituais do Silêncio, do Transe e da Beleza, sendo o Silêncio para acalmar, o Transe para esquecer a dor e a angústia, e sendo a Beleza para ser um alimento que o espírito precisa para recuperar a esperança e a vontade de viver diante das agruras do corpo sofredor. Após receber alta médica e retornar para casa, Naïssam Jalal teve, então, a ideia de compor um álbum que exprimisse essa sua intenção de levar uma música ritualística que pudesse evocar, em seus ritmos e harmonias, essas propriedades curativas nas pessoas que a ouvissem —— é assim, afinal, que a flautista enxerga a música! Para tanto, ela condimentou uma mistura de jazz com ritmos e elementos advindos de vários locais onde ela mesma já atestou as ricas tradições locais, partindo das suas origens sírias e árabes e englobando elementos da música hindustani, dos povos africanos que vivem no deserto do Saara, da música médio-oriental, entre outros. A instrumentação é interessante e os músicos sabem trabalhar de forma um tanto criativa os timbres e as possibilidades dos instrumentos. Fazem parte da banda Clément Petit (cello, backing vocals), Claude Tchamitchian (contrabaixo), Zaza Desiderio (bateria) e Naïssam Jalal (flauta transversal, vocais, daf, flauta ney). O baterista Zaza Desiderio e o contrabaixista Claude Tchamitchian tem vocabulários ricos o suficiente para trabalhar sempre em boa medida as sutilezas e as várias misturas e traços rítmico-harmônicos. Em alguns pontos das peças o violoncelista Clément Petit usa pizzicato para fazer seu cello soar como um oud árabe, bem como Naïssam Jalal consegue explicitar bem seus sotaques e adereços através do canto e do uso de instrumentos árabes como o daf e a flauta ney, além do fato de ela expressa um timbre um tanto especial em suas flautas e trabalha até com técnicas de multifônicos ao evocar o canto no mesmo momento da embocadura, ao mesmo tempo em que sopra. Interessante lembrar, também, que as composições trazem inspirações de elementos da natureza: no conjunto de faixas a musicista evoca "rituais" relacionados ao vent (vento), soleil (sol), collines (colinas), rivière (rio), terre (terra), forêt (floresta), lune (lua) e brume (névoa). Bem interessante!
Já abordada algumas vezes aqui no Instrumental Verves, a compositora americana Julia Wolfe é uma das figuras principais na música erudita contemporânea. Advinda de uma linhagem pós-minimalista, nas últimas décadas a compositora tem adicionado música improvisada e diversas experiências e tratativas experimentais em sua sempre rica paleta musical. E este EP acima registra mais um caso. A compositora registra acima uma peça chamada Forbiden Love, peça que ela compôs exclusivamente para o aclamado quarteto de percussionistas Sō Percussion. A proposta da peça traz uma tratativa diferente. Inspirada pelo piano preparado de John Cage, a compositora propõe que os quatro membros do Sō Percussion atuem com violinos preprados, viola preparada e cello preparado, um quarteto de cordas preparado: ou seja, uma abordagem experimental onde os quatro músicos usem os violinos, a viola e o cello inusualmente como instrumentos de percussão, usando pizzicatos, explorando a crina e o arco de forma inusual e usando malets, baquetas e outros objetos e apetrechos para explorar as cordas desses instrumentos, entre várias outras técnicas estendidas (vide foto acima, no início do post). Faltou uma maior variedade de cores melódico-harmônicas nessas peças. Até pelo fato de os percussionistas não terem, talvez, a mesma destreza e a mesma noção ampla que os violinistas, violistas e violoncelistas naturalmente detém ao tocar esses instrumentos milenares, a peça gira mais em torno de tratativas percussivas em notas fixas, em cordas soltas, com poucas variedades de notas e cores melódico-harmônicas. Mas a proposta é um tanto inovadora no campo percussivo! A proposta é trabalhar com esses instrumentos tão clássicos sob novas abordagens experimentais, inusuais, e inéditas. Inédito mesmo, não é: técnicas estendidas como sul ponticello (alterar o timbre natural desses instrumentos passando o arco muito próximo ao cavalete), o col legno (percutir as cordas com o arco) e o uso da crina para raspar as cordas, entre outras técnicas, já foram amplamente usadas no repertório erudito por compositores modernos como Penderecki, Gubaidulina e Ferneyhough. Mas essa ideia de se criar uma peça performática para "quarteto de cordas preparado" sob inspirações do "piano preparado" de John Cage é, sim, uma novidade interessante para se expandir! Julia Wolfe teve mais uma bela sacada de gênio! A peça Forbidden Love de Julia Wolfe foi co-encomendado pela Los Angeles Philharmonic Association, The John F. Kennedy Center for the Performing Arts e pelo Carnegie Hall. A estreia mundial foi efetuada pelo Sō Percussion no Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles, em 1º de junho de 2019.
Do trompetista e compositor Dave Douglas pode-se esperar, sempre, os projetos mais criativos e imprevisíveis! E nos últimos tempos, o trompetista tem sido adepto de trabalhos ainda mais profundos, em termos espirituais. Neste álbum acima, lançado em 2022, Douglas registra um conjunto de peças inspiradas em suas pesquisas sobre os chamados salmos seculares: exultações de alegria, canções, lamentações e orações, muito comuns no período medieval, que eram declamadas e entoadas geralmente através do canto e da poesia com acompanhamentos de harpa, flautas e outros instrumentos antigos. Na verdade, o compositor parte de um recurso imagético que começa com suas pesquisas sobre as famosas pinturas polípticas que formam os painéis da Adoração do Cordeiro Místico, pintados por Jan e Hubert van Eyck na Catedral de St. Bavo em Ghent, Bélgica, entre os anos 1420 e 1432. Nessas pesquisas, Douglas contou com a companhia do amigo belga Wim Wabbes, músico e diretor artístico da sala de concerto Handelsbeurs. E à medida que trocavam mensagens e informações, ambos atestam que os irmãos Van Eyck trabalharam na corte de Filipe III da Borgonha (conhecido como Filipe, O Bom) e ambos falavam vários idiomas, sendo provável que eles tivessem se encontrado e trocado figurinhas com outras grandes personalidades que também passaram pela corte nessa mesma época, tais como o compositor Guillaume Dufay e a poetisa Cristina de Pisano. Dave Douglas, então, trabalhará suas composições e letras em tornos dessas suas pesquisas sobre esses salmos medievais e em torno dessas figuras e dessas imagens, também acrescentando, ainda, pitadas de Marvin Gaye aqui e ali. Levando essas inspirações para a prática composicional, Douglas estrutura os elementos dessas pesquisas num curioso hibridismo que congrega canto com arranjos e improvisos de jazz através de uma inusual instrumentação com ele mesmo (ao trompete, composições, arranjos e voz), Berlinde Deman (serpentão, tuba, voz), Marta Warelis (piano, piano preparado, órgão de válvulas), Frederik Leroux (guitarras, alaúde, eletrônica), Tomeka Reid (violoncelo) e Lander Gyselinck (bateria, eletrônica). E o uso de instrumentos ancestrais como o serpentão (um ancestral medieval das tubas), o alaúde e o órgão de válvulas (que usa um pedal para gerar uma corrente de ar que se transforma em sons ao passar pelos foles) dará um refinado toque medieval dentro dessas peças de jazz contemporâneo com cânticos salmistas.
Foi assim que uma crítica da revista Rolling Stone definiu a música que preenche este álbum: “With Dearest Sister, the term 'jazz' has to be redefined. There’s everything here, between Massive Attack and Sade. A great debut!". Dearest Sister é um coletivo sueco formado pela cantora Andrea Hatanmaa, vocalista principal da banda, juntamente com a pianista e arranjadora Ylva Almcrantz, o contrabaixista Joakim Lissmyr, o baterista Liam Amner e a flugelhornista Ellen Pettersson. O coletivo começa, inclusive, com Andrea Hatanmaa e Ylva Almcrantz se conhecendo enquanto ainda estudavam na Malmö Academy of Music, Suécia. Oferecendo um misto de canções com requintados arranjos e improvisos instrumentais, o coletivo nos traz uma combinação original de múltiplas influências contrastantes: música erudita, jazz nórdico, avant-pop a La Björk, rock, eletrônica, música minimalista, e etc. Este álbum acima, Collective Heart, lançado pela ACT Records em 2022 é o debut do Dearest Sister e tem sido muito bem elogiado pela crítica especializada. Ainda que soe com um certo quê de melodismo nórdico pairando entre as canções, a banda não limita o arranjo instrumental para ser apenas mero acompanhamento, também dando espaço para peças totalmente instrumentais. Eis aí um aperitivo com agradáveis paladares sonoros e um exemplo de como os cenários da Escandinávia tem revelado bandas e músicos que estão contribuindo enormemente para a contemporaneidade musical neste início de século. Fiquemos atentos para os próximos lançamentos do Dearest Sister e seus músicos!
Nas últimas décadas, após uma fase em que a retomada do jazz acústico foi a ênfase principal, a maioria dos músicos de jazz, incluindo os músicos adeptos da improvisação livre, tem aderido à combinações simbiontes que unem a organicidade dos instrumentos acústicos com os sons sintéticos dos recursos elétrico-eletrônicos —— trata-se de uma incontestável tendência do nosso tempo. E este álbum, captado em Novembro de 2016, na Antuérpia, Bélgica, mas só lançado recentemente no final de 2022, é um registro que exemplifica essas combinações contemporâneas. Sendo também um exemplo de globalização da música improvisada dentro das cenas musicais da Europa, este registro reúne a sueca Anna Högberg (saxes alto e barítono), o sueco Mats Gustafsson (sax barítono e condução do projeto), a portuguesa Susana Santos Silva (trompete), o holandês Per-Åke Holmlander (tuba), a norueguesa Hedvig Mollestad (guitarra), o DJ e manipulador de eletrônicos austríaco Dieb13 (toca-discos), o também austríaco Christof Kurzmann (lloopp, vocais), o italiano Massimo Pupillo (contrabaixo), o holandês Gert-Jan Prins (bateria e eletrônicos) e o norueguês Ivar Loe Bjørnstad (bateria). Esse grupo de músicos criativos formam, então, o Nu Ensemble e quem capitaneia o projeto é o vulcânico sax-baritonista (multi-palhetista, na verdade) Mats Gustafsson, um velho conhecido dos amantes de avant-garde jazz —— e um músico que sempre abordamos aqui no blog. Para este molho combinado de paladares orgânicos e sintéticos, Gustafsson e seu ensemble apimenta os livres improvisos com altas doses de eletrônica e psicodelia grave com ecos daquelas suas aproximações mais garage rock que tanto já atestamos em seus trabalhos anteriores. E os saxes barítonos, aliados à guitarra, contribuem muito para essa concepção sonora mais grave!
O pianista e compositor Cory Smithe é uma das figuras mais criativas do avant-garde mais atual. Suas criações tem como base uma mistura inexplicável de jazz, música erudita moderna, livres improvisações, técnicas estendidas e harmonias microtonais, com um uso muito criativo da voz (cantada, falada ou improvisada). Smithe costuma ter ideias instigantemente incomuns quando percebe, por exemplo, que algumas canções e standards do repertório popular do jazz e/ou do folk americano lhe apresentam possibilidades de novas oralidades e novas transmutações atonais e microtonais. Para este projeto, Cory Smithe parte de um ponto que começa com uma ideia subjetiva que ele teve ao ouvir a canção “Smoke Gets in Your Eyes”, de Jerome Kern. É o que ele escreve em sua página do Bandcamp: I imagined the four ensemble pieces that begin this album as belonging to the repertoire of a speculative musical culture — one potentially not so far removed from my own — whose sonic and lyrical affinities reflect chronic, hazardous inundation, and mystifying betrayal. Without my realizing it at first, they became, in their own way, more-or-less oblique renditions of the Jerome Kern / Otto Harbach standard “Smoke Gets in Your Eyes”, an object lesson in the transmutation of weather and grief into sound, its titular metaphor for desire, delusion, and disaster spilling out in shapely ringlets of billowing melody. A partir daí, Smithe começa a "organizar" essas ideias subjetivas em sons, começa a escrever e elaborar as desconstruções, as entradas para os vocais e as ideias para os improvisos livres que vão criando formas disformes e cores microtonais até então inimagináveis. O álbum acima começa, então, alternando as abstratas partes das peças Liquiform No.1 e No.2 e Combustion No.1 & No.2, ambas para vozes e instrumentos: e em Combustion No.2 temos um desenvolvimento e uma conclusão que exemplificam perfeitamente como Smithe inflexiona, ao seu modo, os aspectos mais puramente melódicos do standard “Smoke Gets in Your Eyes”. Por fim, na outra metade do álbum, Cory Smithe preenche com uma terceira peça para piano solo, onde ele usa e abusa de técnicas estendidas em piano preparado e "desafinações" microtonais. Outras das inspirações sensoriais e imagéticas de Smithe reside nas temáticas da interferência do homem na natureza e das catástrofes climáticas e ambientais, como bem sugere a capa deste álbum. Cory Smithe: sigam este nome!
O aclamado Third Coast Percussion, um quarteto de percussionistas com muito trânsito nas intersecções hiper criativas mais contemporâneas, acaba de lançar dois volumes de peças inéditas que advieram de encomendas e comissionamentos exclusivos. Trata-se do primeiro EP independente deles em mais de 10 anos. Em Currents, Volume 1 o TCP nos apresenta peças escritas exclusivamente para eles por quatro compositores excepcionais da atualidade: a compositora brasileira Clarice Assad, o também brasileiro Rodrigo Bussad, a compositora americana Alexis C. Lamb e o compositor também americano George Hurd. Já no segundo volume, disposto no segundo EP, o TCP interpreta peças da compositora americana Andrea Venet, do compositor americano Machado Mijiga, da compositora queniana Nyokabi Kariũki e do compositor cipriota Andys Skordis. Todos esses compositores, do primeiro e segundo volume, são figuras emergentes nos circuitos de música criativa dos EUA e doutras partes do mundo e dispõem de aberturas para certa multiculturalidade com ampla visão musical. Esses dois EP's, enfim, é uma oportunidade para os ouvintes estarem inteirados com algumas abordagens intergêneros e multiculturais com as quais a música contemporânea tem abraçado a percussão. E o Third Coast Percussion, um dos mais premiados e aclamados quartetos de percussão da atualidade, tem mostrado uma panorâmica versatilidade que lhe permite explorar peças que abraçam elementos de vários gêneros que vão da eletrônica às percussões tribais, do jazz à música erudita minimalista, entre outros. Confiram!
Fiquei entusiasmado com a única faixa disponível ainda na fase de pré-venda deste disco e já prevejo que terá excelente avaliação da crítica mesmo antes de poder ouvi-lo inteiramente! Nicole Mitchell, ex-presidente da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians), é uma das grandes bandleaders, compositoras e flautistas do nosso tempo, tendo sempre lançado projetos onde une uma miríade de elementos pan-africanos e multiculturais com a profundidade composicional com a qual Roscoe Mitchell e os membros do Art Ensemble of Chicago insituíram a conceitual "creative black music" na Chicago Scene. Enquanto o pianista Alexander Hawkins, sempre presente aqui no blog, é daqueles organistas e pianistas do jazz contemporâneo com uma amplitude musical fora de série: ele vai das livres improvisações às formas que exigem tecnicidade formal, e suas colaborações envolvem músicos que vão de parcerias com Evan Parker, Han Bennink, Joe McPhee, Wadada Leo Smith e Anthony Braxton até abordagens pan-africanas com Mulatu Astatke, passando pelo frescor do novo jazz londrino empreendido por Shabaka Hutchings. Este álbum acima, pois, é o registro do encontro desses dois ases que são representantes máximos desses dois cenários: Chicago e Londres. O encontro foi registrado no legendário clube londrino Cafe Oto, um dos pubs europeus mais aclamados no quesito de performances de free jazz, música experimental e improvisação livre. A única faixa disponível nessa fase de pré-venda já nos diz que a temporada do duo de Nicole Mitchell e Alexander Hawkins no Cafe Oto pode ter sido repleta de momentos arrebatadores! O fato é que Nicole Mitchell tem colocado a flauta em patamares muito elevados em termos de abordagens técnicas e temáticas, da mesma forma que a visão holística de Alexander Hawkins o credita a ser um dos pianistas mais completos, em termos de recursos, desse início de século 21. O título do álbum, assim como as temáticas explicitadas nos títulos dos temas, estão relacionados à energia cósmica-espiritual em torno do Planeta Terra —— uma temática que tem aparecido bastante nessa fase de pós-pandemia, onde atestamos que mais uma vez o planeta e seus habitantes foram testados e obrigados a superar as mais mortais ameaças. O lançamento do disco está previsto para outubro desde ano de 2023!
A 577 Records tem sido uma incrível fonte de música nova! Sendo um misto de free music, efeitos eletrônicos cósmico-siderais e música erudita, este álbum soa muito criativo: o design gráfico surrealista da capa do álbum, aliás, faz jus ao conteúdo sonoro com uma confluência de estéticas a viajar no vácuo do cosmo, nos telatransportando para outras dimensões. Deixo aqui a resenha onde Fabrício Vieira sintetiza muito bem a proeminência da dupla Leonor Falcón & Sana Nagano no 👉 FreeForm, Free Jazz (confiram por lá os lançamentos na seara da free music em âmbitos e cenários vários: dos cenários americanos e europeus até cenários emergentes como a Escandinávia e a América Latina, entre outros!). "Este é um incrível encontro em que se celebra a universalidade da free music. Aqui unem forças duas violinistas: a venezuelana Leonor Falcón e a japonesa Sana Nagano. Ambas deixaram seus países rumo a Nova York anos atrás. Em 2015, elas se encontraram no Queens College, onde estudavam. Agora temos a oportunidade de ouvi-las tocando juntas em um desafiador duo. Falcón e Nagano têm comandado interessantes projetos ligados ao jazz mais livre e agora oferecem um exemplar bastante particular. Neste encontro/diálogo, elas apresentam oito peças, que foram captadas à época da pandemia, mais precisamente em 17 de outubro de 2020, no estúdio Big Orange Sheep, no Brooklyn nova-iorquino. Há composições de Falcón, de Nagano e conjuntas, além de uma muito particular releitura da Sonata Para Dois Violinos, do compositor russo Serguei Prokofiev – vale notar que Falcón optou por tocar viola no álbum. Há momentos mais experimentais (“Expanding Universe”), outros de soturno lirismo (“Lost in the Tin Labyrinth”) e ainda sinalizações mais diretas ao erudito (como “Etude 1/2”, escritas por Falcón, que já fez parte da Orquestra Sinfónica de Venezuela, em homenagem a Béla Bartók), em um coeso caldeirão de múltiplas influências. Sai em CD e digital".
★★★★★ - jaimie branch - Fly or Die Fly or Die Fly or Die ((world war)) (2023).
A trompetista Jaimie Breezy Branch (que assinava e gostava de estilizar seu nome como "jaimie branch", em letras minúsculas) passou como um vulto de inovação e surpresa na história mais recente do jazz. Quando todos os refletores começaram a apontar para ela, infelizmente sua passagem nessa vida terrena se encerrou: ela faleceu precocemente aos 39 anos, em 22 de agosto de 2022 em sua casa no bairro de Red Hook, no Brooklyn. Seus projetos mais frescos e atraentes do momento, entre outros projetos e participações incendiárias, vinham sendo com seu duo Anteloper com o baterista Jason Nazary e também com seu quarteto Fly or Die. Aconteceu, pois, que em julho de 2022, apenas um mês antes da sua morte, jaimie branch dava os retoques finais deste álbum acima nos estúdios da International Anthem, em Chicago. O álbum documenta um conjunto de músicas que ela compôs para atualizar o repertório do Fly or Die, durante uma residência no Bemis Center for Contemporary Arts em Omaha, Nebraska: no meio dessas novas composições, a trompetista inclui a balada country "The Mountain", um cover da canção "Comin' Down" da banda Meat Puppets, mas todo o restante do álbum é composto de música nova, eclética e vibrante! Mostrando uma incrível maturação das suas experimentais misturas de free jazz, world fusion, blues, hip hop, folk, country, punk, post-rock, eletrônica e grooves sacolejantes de calipso e ska, este álbum acima apresenta todo o frescor dos últimos sopros de inovação trazidos pelas ideias de jaimie branch. Além da presença marcante do seu trompete, a artista também se aventura com admirável desenvoltura em vocais cantados, nos mostrando um outro recurso do seu portfólio. Para além das misturas curiosas e dos sacolejantes grooves latinos, a instrumentação apresenta um rico conjunto de fusões e arranjos com sons tribais de mbira e percussões, reverberações de marimba, um uso mais estratégico de combinações timbrísticas (com violoncelo, clarone, flautas...), efeitos eletrônicos de sintetizadores e intervenções de trompete, trombone, vozes, sinos e bateria. Acredito que este deva ser um dos melhores álbuns de 2023! E digo isso sem saudosismo barato para justificar nosso desconhecimento sobre o grande talento que jaimie branch vinha sendo! O álbum acima mostra que a trompetista realmente estava levando sua concepção de jazz —— com direito a inúmeras fusões interessantes —— para um patamar não menos que diferenciado em relação ao que tão comumente se ouve no mainstream! Ademais, vale destacar que as temáticas e letras de Branch sempre refletiram certo teor de crítica sócio-política em relação a esta era de distopia e ameaças, como é o caso deste álbum acima. As artes das capas dos seus álbuns também trazem um design gráfico diferenciado: muitas delas desenhadas por ela mesma ou por seus colegas músicos que também são proficientes em design gráfico, tais como John Herndon e Damon Locks. Vida longa à música e ao legado de jaimie branch!!!
★★★★ - M.E.B. (Miles Electric Band) - That You Not Dare To Forget (Legacy, 2023).
Miles Davis vive!!! Sua presença física se foi, mas suas inovações e as atmosferas da sua música estão presentes não apenas nos meandros do jazz, mas também é possível atestar sua influência na eletrônica, no rock, no pop e até no hip hop, gênero com o qual Miles flertou antes de falecer em 1991! E este álbum é um testemunho vivo disso! Este projeto acima foi elaborado e liderado pelo baterista Vince Wilburn Jr., sobrinho de Miles Davis que, inclusive, esteve presente nas bandas do legendário trompetista em seu retorno de um depressivo hiato a partir do final dos anos 70. Tendo trabalhado com Miles de 1980 até 1986, Vince Wilburn Jr. atualmente co-gerencia o patrimônio deixado por seu tio e dá continuidade nos negócios envolvendo seu nome e seu legado. O EP acima, pois, reúne um progressivo conjunto de grandes músicos ex-pupilos de Miles Davis, bem como traz participações de outros grandes músicos que foram seus sidemans. Além das novas composições inspiradas nos moods e atmosferas dessa grande lenda —— algo que era sempre referenciado como "milestones"... ——, Vince Wilburn Jr inclui duas novas faixas com performances inéditas de Miles Davis, captando muito bem o espírito da lenda e fechando essa homenagem com chave de ouro! Quem também colabora com Vince Wilburn Jr na produção deste álbum é o baterista Lenny White, que tocou muitos anos com Miles, além dele também contar com a colaboração de outras lendas vivas da música tais como Ron Carter, Marcus Miller, Stanley Clarke, Donald Harrison, Darryl Jones, Vernon Reid e John Scofield. Este álbum também faz uma especial menção à memória do trompetista Wallace Roney e do tecladista Bernard Wright, músicos recentemente falecidos que estiveram em algumas das gravações finais de Miles Davis. A capa do EP é uma pintura original de Mikel Elam, também um dos artistas gráficos associados a Miles. Todos os músicos, toda a produção, todas as faixas, todas as atmosferas deste álbum envolveram, pois, a proximidade com o espírito da grande lenda do trompete. Não tinha como dar errado!
A cena jazzística de Londres, conhecida por seu distinto "urban jazz", tem sido uma das mais vibrantes do mundo nestas últimas duas décadas —— e tomara lá que agora, pós pandemia, a cena continue efervescente, vindo a revelar grandes músicos e bandas! De lá, mais um novo nome se desponta com um som especial que promete chamar a atenção do público e da crítica especializada. Ele chama-se Johnny Woodham, assina como JSPHYNX, e evidencia aguçados fraseados, sonoridades e tino melódicos em seu trompete. Fazendo parte da cena jazzística que congrega estilos como acid jazz, hip hop, nu-jazz, broken beat, dubstep, entre outros estilos de jazz e música eletrônica, o trompetista começou tocando ao lado de músicos de primeira linha como Ashley Henry, Jordan Rakei, Barney Artist, e agora chega ao seu segundo álbum já com coesão e muitas boas atmosferas. O álbum acima acaba de ser lançado pelo selo Sekito fundado pelo pianista e produtor Alfa Mist e combina, pois, toques e tons rejuvenescidos de post-bop e jazz fusion com break beats e envolventes nuances da cena londrina. Além de Alpha Mist na produção e nos teclados, Johnny Woodham empunha trompete e sintetizadores e conta com o contrabaixo de Rudi Creswick, com a marcante bateria de Richard Spaven, com o sax e o clarinete baixo de Michael Underwood e com o trombone e a guitarra de Liam Shorthall. A coesão do álbum com belas harmonias, melodias, break beats, inteligentes efeitos eletrônicos e fraseados e improvisos quentes é realmente envolvente e evidencia um tanto do que a empolgante cena londrina tem a nos oferecer. Ficaremos espertos para os próximos lançamentos de Johnny Woodham (aka JSPHYNX)!
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